O RIO HOMEM E VILARINHO

Data 10/02/2010 21:30:27 | Tópico: Textos -> Outros

Oriundo dos Carris, afagando os rochedos por onde em grandes cascatas desce a serra, serpenteando no meio de verdes luxuriantes, o Rio Homem atravessa a sua Portela, passa por Albergaria, Bouça da Mó, ladeia a serra Amarela até que, ingloriamente, é emparedado já na zona do Campo do Gerês. A sua essência selvagem e livre foi brutalmente interrompida e aniquilada, esbarrando nas megas toneladas de betão ciclópico que ergueram no seu percurso.
Dói , Rio Homem, ver-te, anafado, prisioneiro naquela muralha de betão. Amputaram-te a alma e deram-te um coração parado, morto – a aldeia de Vilarinho da Furna. As paredes da aldeia já em ruínas mas, ainda e estranhamente, alinhadas, arfando ao peso dum lençol tão desproporcional, vão alimentando, com a sua dor, a perplexidade dos passantes.
Nos crepúsculos de Agosto, muitas vezes me aproximo daquelas águas que com o seu marulhar parecem levantar uma lânguida prece ao Criador: Kyrie eleison; Christe eleison; Kyrie eleison.
Nessas alturas, apetece-me lançar um brado que rasgue aquela serrania e cujo eco se perca no seu ventre: Chora Vilarinho…! Chora para que tua dor alimente o insaciável apetite dos que te visitam e nem um minuto de silêncio respeitam em tua memória.
No entanto, volvidos alguns minutos e siderado pelo quadro com que, de forma contemplativa, me confronto, mudo de ideias e de grito, de revolta, passo para um simples segredar aos ouvidos: Dorme Vilarinho! Descansa eternamente…se possível em paz!...

CPereira, 10.02.2010


Este texto vem de Luso-Poemas
https://www.luso-poemas.net

Pode visualizá-lo seguindo este link:
https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=119171