Por causa de ti

Data 13/02/2010 02:11:56 | Tópico: Poemas -> Amor

Uma vez senti-me feliz
Pensei que era feliz
E senti-me tentado a dizê-lo
Precisei de proclamá-lo
Para me sentir feliz

Pouco depois fiquei a saber
Que não tinha sido feliz
Que não tinha verdadeiros motivos para isso
Porque se soubesse
Ter-me-ia sentido infeliz

Quando festejava a minha felicidade
Se eu soubesse
Teria chorado de dor e de tristeza

Uma vez alguém no leito de morte
escreveu que se sentia feliz
mas tudo o que escreveu até esse momento
eram gritos de dor e lamentações

Foi preciso viver tanto
para descobrir que uma vida infeliz
afinal
tinha sido uma vida de felicidade

Às vezes sinto-me tentado a dizer
E a acreditar que sou feliz
E não necessito de procurar motivos
Para angústias filosóficas

Como se a felicidade fosse uma matéria prima
de pouca qualidade dramática e mais difícil de comunicar
acabo sempre por limitar-me a meditar
se a comunicação literária não é uma farsa
e dentro dos condicionalismos
fugir tentar escapar
à chateza de dilatar possibilidades
de me investir de parafraseamento
e de sonoridades
paramentando-me de abrangência
de sentir ao máximo

não sei se em algum momento
ou ponto de um percurso
a solidão começou
ou se existiu sempre

esta ignorância não é a parte menor da solidão
como uma porta que se adivinha
no reduto de uma liberdade imaginária
Invisível e inexistente para os outros
Mas aberta
Para uma ausência
Que tem estado presente
Em toda a minha vida
E foi-se tornando o único enigma
Que separa a nossa ideia de paraíso
Da minha ideia de paraíso
E
Do próprio paraíso
A solidão
É esse saber que se está à espera
E ter que procurar outra coisa
Trabalhar para algo que
Preferíamos diferente
Um mundo nosso
Um mundo meu
Em que a felicidade não fosse frágil verbo
Relativa como frio e quente

A solidão
A consciência dessa dependência
A contingência dos sentimentos
De privação e de saciedade

Tudo começou de feição
Com um vento a abençoar o nosso rosto
Reflectido num espelho místico
De pensamentos novos
Sobre um mundo velho
Que afinal (sem sabermos)
Era um mundo sempre novo
Que víamos com pensamentos velhos

A solidão
O desencontro
De imensas coisas
Em que pensávamos

Nada era suficientemente importante
Para encher-nos de alegria perene
Tudo era passageiro
Em demasia
E o que era esperado de nós
Era que não nos sentíssemos sós.



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