O vento, que não tarde

Data 27/02/2010 22:07:16 | Tópico: Prosas Poéticas

Lá fora, o vento vagabundo contorce revoltas vivas e os seus uivos desertificam a rua lavada em lágrimas. Ninguém lhe concede portas abertas e só a chuva lhe parece entender os desvios alucinados e o arremessar louco dos espólios que se expõem, incautos, à sua mercê.
Por trás da minha janela de falsa segurança, espargida por partículas das suas raivas furiosas, apetece-me dar-lhe as mãos e permitir-me a sua errância desnorteada.
Apetece-me o vento.
Apetece-me afrontar ondas contrárias, barreiras amuralhadas, escarpas espigosas!
Apetece-me atravessar montes e mares, empurrar velas e vagas, rasar vales e medos!
Arrisco uma nesga de abertura à minha janela em pranto e deixo-me arrebatar, como folha à deriva ou boneca de trapos colorida.
Sinto-me,
finalmente,
livre,
acordada de fresco.
O vento penteia-me os cabelos,
a chuva lava-me,
finalmente,
a pele encardida,
e risco,
finalmente,
uma nota de cor
na tarde acinzentada.



Este texto vem de Luso-Poemas
https://www.luso-poemas.net

Pode visualizá-lo seguindo este link:
https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=121621