sem número.

Data 04/03/2010 17:48:14 | Tópico: Textos






dentro da pele, quase a chegar-te ao osso, iam-se extinguindo os gestos - era a consumação dos afectos - toque de uma mão no rosto. nunca aprendeste a chover, eras neve sempre que o tentavas. apercebi-me que às vezes enganavas os gestos, aguardavas o cair das folhas, ou era quando a terra dormia debaixo dos teus pés que te libertavas do corpo e corrias ao meu encontro. nunca percebeste nada destas engenhocas - tempo e espaço - apertadas ao pulso ou à vista. prendiam o que cultivavas, amor. quando te conheci o teu rosto era uma pintura abstracta, podia ver nele a complexidade esquemática de um carreiro de formigas, ou a simplicidade de três tulipas a crescer fora de estação. havia no teu rosto um bosque denso, assim que abrias os olhos era o meu corpo fustigado por ramos de árvores que não existem, não aqui - neste realidade onde coabitamos. bichos feridos. na tua boca andavam a boiar nenúfares e era belo vê-los afogar palavras. quando sorrias podia ver-te os peixes na raiz da língua. era no teu rosto que todas as coisas, possíveis e imagináveis, encontravam morada, e, naquele dia, até eu julguei ter encontrado finalmente a minha casa.






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