
ESPIRAL DE SONETOS - SOBRE O PROFÉTICO SONETO DE GREGÓRIO DE MATTOS GUERRA EM QUE ESTE DESCREVE UM DIA DE TEMPESTADE. HOMENAGEANDO O GENIAL POETA
Data 16/03/2010 14:02:07 | Tópico: Poemas
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Na confusão do mais horrendo dia, Painel da noite em tempestade brava, O fogo com o ar se embaraçava Da terra e água o ser se confundia.
Bramava o mar, o vento embravecia Em noite o dia enfim se equivocava, E com estrondo horrível, que assombrava, A terra se abalava e estremecia.
Lá desde o alto aos côncavos rochedos, Cá desde o centro aos altos obeliscos Houve temor nas nuvens, e penedos.
Pois dava o Céu ameaçando riscos Com assombros, com pasmos, e com medos Relâmpagos, trovões, raios, coriscos
Gregório de Mattos
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“Relâmpagos, trovões, raios, coriscos” E a Terra em convulsões leda bramia, Deixando um ar terrível de agonia, Os sonhos fugidios, mais ariscos.
E em maremotos, trêmulo planeta Dos Céus nuvens espessas, tempestades, Assisto á derrocada das cidades Ao nada do depois nos arremeta
A sorte desairosa cultivada Por mãos tão agressivas e insensatas Imensos fogaréus tomando as matas, Depois de tudo vejo o simples nada.
Ocaso se demonstra no horizonte, A fera, raça humana, fim e fonte.
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A fera, raça humana, fim e fonte Momento apocalíptico desnudo, E quieto observo tudo e sigo mudo Aguardo alguma luz que inda desponte.
Mas nada. Só percebo este revolto Mar que adentra praias, casas, ruas. As faces do planeta, agora nuas, É como se um demônio eu visse, solto
E o fogaréu se espalha sobre todos, Ardendo em fartas chamas corpos nus, Dos Céus se percebendo então a cruz Que emerge sobre o charco, podre lodo.
Ao ver tal turbilhão memória grava “Painel da noite em tempestade brava.”
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“Painel da noite em tempestade brava” Cenário demoníaco se vê E quando se pergunta como e o que Uma alma da verdade sendo escrava
Percebe nossa culpa e não domina A voz que lancinante solta em brado. De tudo me percebo tão culpado Deveras da hecatombe sou a mina.
Esgotam-se esperanças, vago inferno, Corruptas ilusões, chagas imensas, E mesmo que do fato não convenças Realidade em fúria, logo externo
Já generalizada esta agonia E a Terra em convulsões leda bramia.
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E a Terra em convulsões leda bramia Gerando o desespero em cada face Destino que profético se trace E dele desairosa fantasia.
Dos píncaros aos vales mais profundos, Tempestas e borrascas, nas procelas Estrelas desabando em turvas telas Galgando o fim de todos, vários mundos
Nefasta paisagem se percebe E nela reproduzo os meus temores, Cenários demoníacos e horrores Invadem sem limite toda a sebe
Vulcânica expressão em fúria e lava “O fogo com o ar se embaraçava.”
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“O fogo com o ar se embaraçava” Em erupções diversas sofrimento Gerado pela insânia do tormento Que a tudo sem descanso dominava.
Na inglória caminhada pela Terra A raça humana em dívida venal, Percebe neste estranho ritual Sua jornada agora já se encerra
Gargalham-se satânicas figuras, Voando como corvos sobre todos, Emergem mais demônios destes lodos Algum remanso inútil; crês. Procuras.
Mas nada neste inferno ainda havia Deixando um ar terrível de agonia.
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Deixando um ar terrível de agonia Em pandemônio vejo o nosso fim, A morte se espalhando e mesmo assim, A face do terror inda sorria.
Irônicos fantoches que satânicos Embebem-se do sangue em profusão, E deles novos seres se farão Gerando sobre todos, outros pânicos.
Vendavais assolam; chuva intensa, O solo vai se abrindo e devorando, As esperanças fogem; torpe bando, Não há que do futuro se convença
No universo em completa rebeldia “Da terra e água o ser se confundia.”
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“Da terra e água o ser se confundia” Insondáveis mistérios concretizam Enquanto tantos seres agonizam A noite desabando espessa e fria.
Os mares em terríveis ondas tomam As ilhas, as calçadas e edifícios Abrindo sob os pés os precipícios Enormes pesadelos já se somam,
A neve sobre escombros se acumula, Multidões vagando em procissão, Não tendo mais destino ou direção, Demônio satisfaz imensa gula.
Das carnes decompostas, seus petiscos, Os sonhos fugidios, mais ariscos.
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Os sonhos fugidios, mais ariscos Percebo agonizante a Terra inteira, E a morte de outra morte mensageira Eternizando a dor, trovões, coriscos
E as ânsias de uma vida bem melhor Agora sepultadas neste Inferno, O que pensara ser suave e terno, Tragédia vai se impondo, tão maior.
Carcaças devoradas por rapinas, Não resta sequer pedra sobre pedra, O olhar mais corajoso já se medra, Não sobram nem sequer becos e esquinas
E ainda sobre o nada que se cria “Bramava o mar, o vento embravecia.”
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“Bramava o mar, o vento embravecia” A vida que com luzes foi criada, Agora totalmente destroçada Enquanto toda a Terra enegrecia.
Partícipe do caos; nada mais posso Somente me levar pela torrente, Por mais que tal cenário me atormente, Nenhuma reação, ainda esboço.
Insetos, vermes sendo então herdeiros Fazendo dos escombros a partilha, Alguma criatura ainda trilha E avança sobre corpos, garimpeiros
Por mais que o vento ainda se arremeta E em maremotos, trêmulo planeta.
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E em maremotos, trêmulo planeta Não suportando mais tanto terror, Desaba a tempestade e neste horror, Esperança se torna uma falseta
Vivenciando o fim da nossa história Cumprindo-se deveras o que oráculo Dissera há tanto tempo, um espetáculo Horrendo em tez terrível, merencória
A Terra expondo em dor suas entranhas Devora gigantesca engenharia E o nada após o nada se recria, Não há mais cordilheiras nem montanhas
E após a tempestade feita em lava “Em noite o dia enfim se equivocava.”
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“Em noite o dia enfim se equivocava” Estúpido final da raça humana, Que outrora se pensando soberana Por toda esta extensão, tola, reinava.
Em gestos de ganância destroçando O que talvez eterno se fizesse Tentando amenizar com rito e prece, Porém jamais agira em fogo brando.
E a fúria gera fúria, nada mais, Repasto para as últimas fornalhas, Riquezas são deveras meras tralhas, Poderes emanados de boçais
Criando como fossem frias grades Dos Céus nuvens espessas, tempestades.
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Dos Céus nuvens espessas, tempestades Rolando sobre os vários elementos, E nelas se refazem os tormentos Por mais que ainda tentes, grites, brades
Silêncios absolutos pós a fúria Deixando esta convulsa Terra nua, A noite não terá estrela ou lua, Somente e plenamente farta incúria.
Penúria se mostrando em face escusa, Na candidez do nada exposto o vão, E fendas abismais tomando o chão, Resíduos tornam cena mais confusa
Nem sombra do terror que se espalhava “E com estrondo horrível, que assombrava.”
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“E com estrondo horrível, que assombrava” Momentos tão convulsos sobre todos, E toscas criaturas, podres lodos, Uma onda gigantesca, imensa e brava
Derrama-se por sobre cada estrada, Desabam cordilheiras, terremotos, Os sonhos se tornando mais remotos, A Terra sendo aos poucos destroçada.
Venais tormentos tomam meu olhar E tudo o que pensara se desfaz, Retrato tão terrível quão mordaz, Percebo sobre nós se acumular
E bêbado de tantas tempestades Assisto à derrocada das cidades.
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Assisto à derrocada das cidades Na face degradada e dolorida, Ainda que restasse qualquer vida Diversa das antigas realidades.
Estúpido fantoche ainda vê Retrato do futuro e nada faz, Lutasse tão somente pela paz, Mas sobrevive apenas, sem por que.
Destroça a mãe que um dia alimentara Matando o Pai que outrora em sacrifício Já fora seu cordeiro, e desde o início Se arrependera até do que criara.
Reflexo da voraz, tosca heresia “A terra se abalava e estremecia.”
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“A terra se abalava e estremecia” Enquanto em palidez venal momento Gerando totalmente o desalento Matando e torturando em agonia.
Espúrio olhar ao longe regozija Gargalha-se Mefisto, vaga sobre O escombro que deveras já recobre E nada após o tanto inda se erija
Deixando o caos completo como herança Daquela que se fez autoritária, Rainha sem escrúpulos, falsária De torpe vaga e pútrida lembrança
Assim após o fim deste Planeta Ao nada do depois nos arremeta.
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Ao nada do depois nos arremeta O quadro lacerado que ora vejo, E quando se pensara em azulejo Agrisalhada face se cometa.
Acinte repetido em gerações Diversas espalhando esta aridez Na qual toda uma história se desfez Não escapando nem mesmo os grotões;
Exala-se este odor adocicado De pútridas carcaças que se espalham, Abutres entre os corpos já retalham O que se percebera destroçado.
E a Terra desnudando os seus segredos “Lá desde o alto aos côncavos rochedos”.
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“Lá desde o alto aos côncavos rochedos” Dos vales mais profundos aos abismos, Depois dos mais terríveis cataclismos, Assim se encerrarão nossos enredos.
Nefasta face expondo esta verdade, Culpado e suicida, o ser humano, Tomado tão somente por engano Mesmo quando esta face se degrade
Desiste da esperança quando assola Com fúria e destemor, a mãe gentil, Que um dia insanamente assim pariu O ser que de servil, ora controla
Do amor que foi parido, pari o nada A sorte desairosa cultivada.
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A sorte desairosa cultivada Por mãos gananciosas nada traz, Num ar tempestuoso e tão audaz O que já fora vida se degrada.
Ilude-se em venal quinquilharia Vendendo-se ao demônio pouco a pouco, E quando ainda insurjo me treslouco A sorte a cada passo se esvazia.
Partícipe da festa, vez em quando, Não nego com certeza minha culpa, Por mais que outro caminho já se esculpa O quadro cada vez se deformando
Traçamos com terríveis, toscos riscos “Cá desde o centro aos altos obeliscos”
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“Cá desde o centro aos altos obeliscos” Aspectos mais funestos da verdade, Aonde se pudesse em liberdade Os homens sendo sempre mais ariscos
Desviam cada vez a própria fonte E matam o que resta do porvir, Apodrecendo a vida, posso ouvir Lamento desta mãe sem horizonte
Mesquinharia doma o que pudera Ser mais do que talvez simples demônio, Destrói com fúria o enorme patrimônio E como fosse assim terrível fera
Avassalando insano, rios, matas, Por mãos tão agressivas e insensatas.
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Por mãos tão agressivas e insensatas A derrocada expressa em sofrimento, Não restando sequer algum momento Imagens soberanas que retratas
Com toda insanidade contumaz Aspectos tão diversos e uniformes Os restos são deveras mais disformes Apenas o final nos satisfaz
Medonha face exposta a cada dia, Tornando-se impossível convivência Aonde se pensara inteligência A morte sem defesas perfazia
E em meio aos vendavais, terríveis medos “Houve temor nas nuvens, e penedos.”
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“Houve temor nas nuvens, e penedos” Gigantes nuvens feitas de fumaça E quando sobre a Terra já se traça O fim tornando tétricos enredos
A sanha do Planeta desenhada Por mãos toscas e torpes, violentas Gerando após tormentas mais tormentas Herança pouco a pouco sonegada.
Vingança? Não. Somente conseqüência De nossa estupidez esteja certo Que tudo redundando num deserto Criado com terrível eloqüência
Resultando das vândalas bravatas Imensos fogaréus tomando as matas.
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Imensos fogaréus tomando as matas Estúpido caminho eu adivinho, E quando destroçamos nosso ninho, Criaturas terríveis, pois ingratas
Não deixaremos nada após, por isto Merecemos o fim que cultivamos, E quando em voz audaz pensamos amos; Servis dos nossos erros. Eu insisto.
E vendo esta faceta em garatuja Traçada por demônios: nosso espelho, Já não sabendo mais qualquer conselho A face que se vê terrível, suja
Da verdade fugíamos ariscos, “Pois dava o Céu ameaçando riscos”.
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“Pois dava o Céu ameaçando riscos” Avisos deste estúpido final, E a face que se mostra tão boçal Repete os arranhados velhos discos
Não vês quão necessário ter um fim Ganância após ganância gera o caos Sem ter ancoradouro, pobres naus Vagando em oceano segue assim
À beira do naufrágio inevitável, Riscando mares turvos, podres águas E quando na verdade tu deságuas, Palavra sendo franca e não potável
Demonstra a escuridão anunciada: Depois de tudo vejo o simples nada.
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Depois de tudo vejo o simples nada E sinto a derrocada mais feroz, Sabendo do vazio logo após A sorte há tanto tempo foi lançada.
Escombros do que fora outrora vida Nefasta imagem traz desolação Sabendo que depois não sobrarão Sequer resquícios, leda despedida.
Algozes de nós mesmos, os demônios Que um dia perfilaram sobre a Terra Assim este capítulo se encerra Nos mais terríveis fatos, pandemônios.
Desenha-se o final de tais enredos “Com assombros, com pasmos, e com medos”.
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“Com assombros, com pasmos, e com medos” Sintomática imagem do futuro, E quando se percebe tão escuro Momento em que traçamos os degredos
Aos quais nos submetemos sem saída Esgotam-se os caminhos, vejo assim Que quanto mais terrível nosso fim, Maior a percepção disto sentida
E inerte sobre a Terra a raça humana, Destrói com fúria tudo o que existira Acende com terror última pira E bebe a podridão que assim se emana
Negando a realidade que se aponte Ocaso se demonstra no horizonte.
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Ocaso se demonstra no horizonte E tudo o que talvez pudesse ser Transfigurando a faca do poder, Matando em aridez a imensa fonte.
O trágico caminho em tempestade Acida uma existência que é venal, E tendo já noção deste final, A cada passo mais alto se brade
Putrefação gerada pela audácia E dela se traçando o nada vir, Assim se desenhando este porvir, Marcado por soberba e por falácia
Nos Céus se traçam fortes, grandes riscos “Relâmpagos, trovões, raios, coriscos.”
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“Relâmpagos, trovões, raios, coriscos” Explodem num momento terminal, Aonde se pensara germinal, Destroços que carrego, são confiscos
Do quadro desenhado há tantos anos, Medonhas as figuras que ora vejo. Assim ainda creio e até almejo A solução, mas sei dos desenganos
E enquanto não se vê nem atitude Tampouco se terá uma saída, Caminhando sem rumo e já perdida Bem antes que a verdade crua mude
O fim sem horizonte já desponte A fera, raça humana, fim e fonte. MARCOS LOURES
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