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Data 19/03/2010 23:04:34 | Tópico: Textos








quando eu morrer diz às árvores que não podem deixar que a raiz lhes caia antes da folha.eu serei finalmente chuva em dias de outono, com folhas a voar-me entre, com ramos a impedir-me as quedas, com nuvens, contigo, com tudo. seremos finalmente amor. prometo esfaquear-te todas as insónias, velar-te as noites, inventar-te novos sonhos. e adormecer-te tranquilo o coração no regaço. saberás sempre de mim perto, coágulo no cérebro a pensar-te um mundo, outro. todas estas coisas que dizem de mim, não acredites, não há buraco de terra que me caiba no corpo. tu sabes que trago uma escuridão tão grande dentro, que as larvas já me habitam pele há muito, que estas músicas que me compõem são dias longínquos. todas estas memórias de nós ficam para ti e, no entanto, não fomos desta invenção coisa nenhuma. houve um tempo, um lugar que não perdoarei, nem à primeira imagem que tenho de ti, a fuga vertical de algumas lágrimas. o que deveria, o que poderia, o que fiz, ainda que muito mais continuaria por fazer se o tentasse, dói-me, como abrir os olhos e deixar fugir o coração. fica para ti este mundo seguro que criei para te proteger das minhas ausências, e até as minhas ausências são tuas como tas escrevi, com palavras, com sal, com tudo - fica para ti. quando eu morrer que nasça finalmente o nosso filho, se estiver preso corta-lhe o cordão umbilical, que seja livre quero como um pássaro. e a ti virão todas as palavras para que me escrevas, com pernas e braços e boca e tudo, que morta hei-de ter isso e hei-de aparecer-te no dia que te conheci, para te contar de como morri e de como me não deverias ter deixado só. quando eu morrer que não seja tarde ou cedo mas o momento exacto.








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