HOMENAGEM A DANTE. versos do primeiro canto da Divina Comédia
Data 24/03/2010 18:14:07 | Tópico: Poemas
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“DA nossa vida, em meio da jornada,” Depois de tantas dores e alegrias, Enquanto com terror tanto porfias Depois de prosseguir em dura estrada, Vivendo por viver, sem querer nada Tampouco desenhando noites frias Deveras nas estrelas vejo as guias E adentro; destemido, a madrugada. Mergulho neste anseio e posso crer Nas lutas mais inglórias e vencer Os medos tão comuns de quem batalha Sabendo desde sempre quão dorida Deveras, sem proveito a nossa vida Porquanto feita em fio de navalha...
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“Achei-me numa selva tenebrosa,” Depois de caminhar por tantos anos, Em meio aos mais terríveis desenganos, A sorte se mostrando caprichosa Por mais que a lua surja majestosa, Momentos mais doridos e profanos, Torturas envolvendo em vários planos A vida que pensara prazerosa. Seguindo em plena noite, tempestade, Somente a solidão que agora invade Domando o coração aventureiro. E assim ao me sentir abandonado, Revendo as velhas dores do passado, Regando com terror o meu canteiro...
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“Tendo perdido a verdadeira estrada” Já não podia ao menos caminhar Guiado pelos raios de um luar Na noite sem estrelas e nublada, O passo se transforma me derrocada, Jamais imaginei poder chegar Aonde talvez possa me encontrar, Sabendo desde sempre que sou nada. Mesquinhas noites frias, solitárias, As horas transcorrendo, temerárias Somente o frio toca o velho peito, E quando me percebo já no fim, Aonde se pensara num jardim, Uma aridez invade em turvo pleito...
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“Dizer qual era é cousa tão penosa,” Se a sorte num completo desvario Ou mesmo um coração que em desafio Entranha-se em espinhos, mata a rosa. A senda mais audaz, rara e formosa, Agora desaguando em turvo rio, Deveras quando um novo tempo crio, A sorte se mostrando desairosa Impede a caminhada e nada tendo, Somente a dor se faz cruel adendo E o peso do passado me envergando. Pudesse caminhar em plena paz, Mas quando a solidão se mostra audaz O tempo não será decerto, brando...
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“Desta brava espessura a asperidade,” Já não permite o manso caminhar, Aonde poderia me encontrar Se não conheço mais felicidade. E quando percebendo a realidade, Deveras já cansado de lutar, Pensando a cada instante num luar Distante que jamais, eu sei, me invade. Mesquinhas emoções, dias venais, Abandonando ao largo o que era cais Jamais perceberei o ancoradouro, Morrendo dia a dia nada vejo, E quando mais ausente o meu desejo, Voraz tenho a certeza, o nascedouro...
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“Que a memória a relembra inda cuidosa” A sorte tão terrível do passado, O dia amanhecendo mais nublado, A noite que pensara maviosa Perdendo qualquer brilho, o rumo glosa Negando alguma luz ao manso prado, Há tanto com certeza desejado, E feito em flores tantas, bela rosa. Mas sinto que jamais serei feliz O quanto mais quisera se desdiz Negando desde sempre a primavera, E agora vendo a peça em seu final, A dor num mais temível ritual Expressa-se voraz, temível fera...
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“Na morte há pouco mais de acerbidade;” Mas sinto redentora esta presença Sem ter do que deveras me convença Talvez ela traduza liberdade, Cansado desta dor que me degrade Jamais encontro a paz em recompensa, E tendo a vida amarga, dura e tensa, Já não suportarei temível grade. E quero respirar tranquilamente O quanto em dor e medo se pressente Agora mostra um rumo mais suave, E a morte calmamente se aproxima E nela com certeza rara estima, Deixando no passado algum entrave.
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“Mas para o bem narrar lá deparado” Esboço algum momento de atenção, A vida se passando agora em vão Da dor se escuta o forte, imenso brado.
Pudera acreditar no meu passado Nas horas mais benditas que virão E tendo ausente Norte e direção O barco se percebe naufragado.
Medonhas tempestades enfrentei, E quando imaginara calma a grei Desaba sobre mim tal vendaval,
E a noite se nublando totalmente O olhar extasiado de um demente, Já não conhece paz, somente o mal.
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“De outras cousas que vi, direi verdade” E sempre que puder terei no olhar Lembrança tão diversa a demonstrar O quão ausente em mim felicidade.
Por mais que o coração ainda brade Não posso contra o vento navegar, E sei quanto é terrível naufragar Bebendo desta imensa tempestade.
Ardentes emoções? Pura ilusão. Inverno ao invadir o meu verão Trazendo esta nevasca dentro da alma,
Nem mesmo acreditar num novo dia, Na luz que o temporal já desafia, O pensamento atroz, feroz, acalma...
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“Contar não posso como tinha entrado;” Durante as noites tensas, vida em dor, O velho coração de um sonhador, Já sabe o seu futuro, duro enfado.
E quando mergulhara no passado, Imagem do que outrora se fez flor, Agora percebendo decompor, O sonho em tantas sombras, destroçado.
Viesse em redenção novo momento, Mas quando isto percebo me atormento E tento reagir, um ledo engano.
A sorte maltrapilha me desfaz, E aonde se pensara em plena paz, O mundo desmentindo cada plano.
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“Tanto o sono os sentidos me tomara,” Entorpecido eu pude perceber Somente sob o olhar o desprazer Aonde imaginara noite clara.
O peso do passado desampara E causa ao sonhador, o fenecer De todos os desejos, e perder O rumo torna a vida mais amara.
Sentindo no meu rosto o forte vento, Rajada após rajada me atormento E sei que não terei um bom final,
A morte se mostrando em face nua, Ausente dos meus olhos, sol e lua, Sentindo tão somente o vendaval...
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“Quando hei o bom caminho abandonado” Deixando para trás uma alegria, Somente esta tristeza ora me guia E o medo sempre aqui, trago ao meu lado.
Vencido pela insânia, desvendado Caminho pelo qual já não porfia Uma alma feita em dor, vaga agonia, Mergulha no vazio, amargo Fado.
Sentir esta terrível ilusão Tomando dos meus olhos a visão Jamais se percebendo um horizonte,
Não tendo à minha frente outra esperança Somente num abismo a alma se lança E impede que outro sol, claro desponte...
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“Depois que a uma colina me cercara,” Das tantas ilusões já percorridas Deveras entre estrelas esquecidas A sorte se tornando bem mais rara, Assim a minha história ora se aclara E vejo quão diversas tantas vidas Num tempo tão exíguo; já vividas Por mais que uma esperança surja clara, Audazes os caminhos de quem tanto Buscara pelo menos um encanto Em meio aos temporais mais corriqueiros Assim também se vê o quão audaz O passo quando a sorte se desfaz Matando em aridez nossos canteiros.
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“Onde ia o vale escuro terminando,” A vida se perdendo em tantas trevas Enquanto este terror agora cevas O todo que eu sonhara se espalhando E sinto cada parte em frialdade Deixando-me levar pelo vazio, Ainda alguma paz teimo e desfio Ao mesmo tempo o medo já me invade Recebo em desalento o meu futuro A morte se prepara atocaiada, Do quanto imaginara o mesmo nada Tornando o dia a dia mais escuro, Pudesse respirar, ao menos isso, O mundo não seria movediço...
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“Que pavor tão profundo me causara” Saber o quanto em nada se transforma A vida sonegando qualquer norma Vagando sem destino e não declara Senão este vazio que me toma, Aonde imaginara outrora em paz, Agora tão somente mais mordaz Impede na verdade qualquer soma. Vencido e sem saber se poderia Viver uma alegria que não trago, A morte me deforma e sem afago Nem tenho mais sequer a fantasia E corro contra o tempo, sigo alheio Ao mundo que deveras mais receio.
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“Ao alto olhei, e já, de luz banhando,” Pensara em ter a paz que não consigo, Vivendo tão somente em desabrigo O teto dos meus sonhos desabando Aonde se pensara num instante Mais límpido, em trevas vejo a rota O barco se perdendo desta frota A sorte se transforma, e é tão mutante. Perdendo a direção não tenho mais Senão este vazio dentro em mim Percebo quão dorido o mundo e assim Exposto aos mais terríveis vendavais Jamais imaginei poder saber De alguma forma ao menos de prazer.
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“Vi-lhe estar às espaldas o planeta,” Vagando pelo espaço sideral Alheio ao que se fez em bem ou mal, A sorte se mostrando qual cometa E nela sem ter paz prossigo em vão Sabendo desta ausência, nada levo, E quando sigo ausente ainda cevo Somente uma daninha e perco o grão Do quanto imaginara poder ter Sentido qualquer voz que me alentasse, A vida se mostrando em tal impasse Derrota desta forma o amanhecer E morto, sigo em luzes discrepantes Enquanto em dores várias te adiantes.
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“Que, certo, em toda parte vai guiando” Inertes dissabores, sorte e azar, O quanto não se pode cultivar Tampouco se sabendo tanto e quando, Ao menos qualquer dia inda pudesse Vencer os meus terríveis desenganos, Momentos que ainda fossem soberanos, Tornando mais possível qualquer messe. Mas tudo não passando do vazio Que agora nestes versos eu declaro, O mundo se mostrara em desamparo, E o tempo, mesmo só, eu desafio. Mortalhas concebidas pela sorte Traçando em vagas cores, rumo e Norte.
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“Então o assombro um tanto se aquieta,” Depois de tantos ventos mais ferozes, Ouvindo do passado antigas vozes A sorte modifica rumo e meta. Aonde imaginara ter talvez Um dia mais tranqüilo, nada vejo, Somente a sombra amarga de um desejo Que a cada novo tempo se desfez. Quem dera se pudesse ter nas mãos Momentos mais felizes, quem me dera, A vida desnudando a mesma fera Tornando os meus caminhos tristes, vãos, Não deixa mais sobrar nem esperança Enquanto o tempo atroz, bem sei, se avança...
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“Que do peito no lago perdurava,” As águas poluídas da saudade, O tempo pouco a pouco já degrade Tornando uma alma livre, agora escrava. Medonhos caminhares, noites frias, Vestígios de um passado mais feliz, Procuro e quando tudo já desdiz Deveras noutras sendas tu me guias. Mortalhas espalhadas, tanto luto, E o corte se aprofunda e se profana, Quem tanto imaginara em voz insana Agora ainda tento, mas reluto. E vendo assim meu fim se aproximando, O quanto imaginara, desabando...
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“Naquela noite atribulada, inquieta” A sorte se mostrara mais venal, No olhar a discrepância bem e mal Deveras se perdendo em fria seta, O quanto se deseja e nada tenho E mostro no vazio a minha face, Por mais que o tempo ainda, duro, passe Mostrando a sorte em tênue desempenho, Vagando por caminhos mais atrozes, Espinhos costumeiros sob os pés, Atando aos meus sonhares tais galés, Deveras emoções traçam algozes, E o peso do que fora sem ter tido, Legando à fantasia amargo olvido.
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“E como quem o anélito esgotava” Numa ânsia incontestável, terminal, A sorte se mostrando feita em nau Distante deste porto, uma alma escrava. Eviscerados sonhos, mortos dias, E neles os demônios entre risos, Fulguram dominando Paraísos Enquanto às infernais sendas me guias. Eu vejo retratado no não ser A face de um poeta, um mero louco, O quanto desejara, muito pouco, Agora se mostrando em desprazer. O corte se aprofunda, fria chaga Somente a solidão, cruel, me afaga...
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“Sobre as ondas, já salvo, inda medroso” Percebera meu canto em vagos tons, Momentos que pensara serem bons, Aonde imaginara farto gozo, Desvendam face escura do vazio E traçam meu perfil, tolo idiota, A pele se desfaz, e já se nota O quanto em luz profana desafio. E o vasto caminhar se torna nada, Envergando-me enquanto ainda luto Pudesse pelo menos ser astuto, A sorte já veria transmudada. Porém quando se mostra em vil desgaste O sonho que deveras, sonegaste...
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“Olha o mar perigoso em que lutava,” O bravo comandante, um vil corsário, E assim o amor se mostra um adversário Em meio à tempestade neve e lava. O quanto ser feliz ainda tento, E sei que não consigo, mas persisto, O tanto quanto outrora foi benquisto O encanto permitindo algum alento, Mas nada do que fui já se apresenta, A vida se transforma e quando a vejo, Distante dos meus olhos o desejo, A sorte se tornando violenta. A morte talvez seja a solução De quem somente ouviu, da vida, o não.
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“O meu ânimo assim, que treme ansioso,” Tentando descobrir algum destino Por onde sem pensar, eu me alucino, Num dia sem sentido, torporoso. A glória feita em sonhos se transforma E tudo o que pensara não existe, O coração deveras segue triste E perde do que fora, toda a forma, Mortalhas no futuro e no presente, Enlutando meus dias, noites vãs, Aonde se pensara nas manhãs, Percorro ruas tantas, qual demente E sei que na verdade sem o sol, Jamais amanhecendo no arrebol.
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“Volveu-se a remirar vencido o espaço” Quem tanto quis um dia mais feliz, E quando a realidade contradiz Ao léu, sem ter destino, alheio, eu passo. Vencida cada etapa no final Apenas o vazio é recompensa, A vida se mostrando tanto tensa, O riso jamais fora triunfal, Sarcástico caminho percebido Em meio aos mais diversos temporais, A vida me repete que jamais O quanto se queria, decidido, Verei e não podendo me encontrar, Apenas vejo ao largo, céu e mar...
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“Que homem vivo jamais passou ditoso” Pelas sendas cruéis de uma ilusão E nelas tantas dores moldarão Um dia em dores tantas, assombroso. Pudesse ser feliz ou mesmo até Vivesse uma alegria mais sutil, Diverso do que outrora se previu, Não perco neste instante, minha fé. Apenas poderei viver segundo O quanto desejara e não consigo, Aonde imaginara algum abrigo Somente dos terrores eu me inundo. E sigo contra a força, relutando Querendo um dia manso, claro e brando...
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“Tendo já repousado o corpo lasso,” Depois de tanta luta vida afora, A sorte que desejo se demora Enquanto cada sonho já desfaço. Caminho em espinheiros, duro cardo, E o tempo se mostrando mais venal, Aonde poderia; desigual Destino se tornando imenso fardo. Alvissareiras noites? Não as vejo, Somente o peso amargo do não ser, E quando se percebe amanhecer Diverso deste sol que ora desejo, Nublada em cinza feita esta manhã Mostrando quanto a vida é mesmo vã.
VALMAR LOUMANN
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