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Data 24/03/2010 23:22:22 | Tópico: Textos

- joão camilo -

"Eu mesmo já disse um dia que um corpo (e entenda-se aqui corpo num sentido amplo, não num sentido puramente físico) é espaço demasiado para conhecer."
joão camilo





ainda bem que estavas comigo, esta manhã, quando encontrei o peixe morto no aquário. disseste: "alguma coisa vai mudar pressinto-o", eu sentei-me e continuei a rotina habitual - cevada, pão com manteiga e o teu retrato breve de j.b - atrás de mim o peixe morto no aquário. desci a rua a pensar que o mundo é este pequeno círculo que os olhos alcançam, tu sabes como pode ser traiçoeiro o horizonte quando os fechamos. todas estas coisas, tão habituadas a mim, estas pessoas, não me conhecem. é esta a verdade, aquela que tu e eu gostaríamos de desconhecer. falas-me da margem da guerra, também por aí vivo, no entanto é dentro de mim que lhe nascem os sentidos. dela sabias tudo - truques de camuflagem, modos de enganar a dor, jeitos de combater a solidão, formas de deitar o corpo e adormecer o coração. inventavas gestos e a invenção dos gestos atrapalha o andar, por isso caminhavas torto e livre, deixando que fosse a rua a descer-te também a ti, devagar. gosto, joão, quando me olhas da contracapa do livro, pareces tão sossegado com a cabeça ligeiramente inclinada para o lado esquerdo e, no entanto, é dentro dos teus olhos que vejo o meu desespero.






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