Importam-se de me deixarem em Paz?

Data 29/03/2010 18:14:28 | Tópico: Poemas

E logo hoje mais que nunca os versos atropelam-se e amontoam-se como pilhas de prato quase a cair no chão. Escalavram esta vontade como quem apanha vento salgado na cara e grita com lábios gretados.
Li tanta coisa até hoje. Recebi tantos abraços. Quase que me conheciam e eu ia-me conhecendo a cada abraço a cada verso pronunciado. Às vezes há surpresas assim, como esta à minha frente a contar-me a história da morte de uma garça. Em criança sonhava muitas vezes que era uma garça, de repente deixei de voar, de repente, sem que nada fizesse prever, afastava-me do meio da algazarra familiar e, de repente abria os braços e planava por cima das suas cabeças e caiam versos, mas devo ter crescido de pressa de mais para perder a graça de sonhar.
Hoje, de repente senti que a garça voltou e com ela essa vontade quase sacramental chamada a tentação dos versos, mas fitei-os durante horas até ficarem tontos, até que desistiram, até que se foram embora. Não sei para onde, mas também não quero saber, é que o ar está tempestuoso demais para versos e os ventos sem direcção desorientam as garças, quebram ainda mais os nós dos dedos que entrelaçam a inspiração e, é assim que eu quero que continue e, que os versos me deixem em paz. Pois é, é que os versos arrepiam a alma ao fazer-nos perder o chão, pregam-me rasteiras e ainda se riem de nós, dos nossos voos rasantes, sim, porque mesmo quando eu sonhava que era garça, nunca tive aquela graça de planar nos céus, por isso, vou simplesmente deixar o vento entre num outro tom, pedir-lhe o lenço branco de volta, embora possa, entretanto, tropeçar nos cacos da loiça.




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