Santíssima Paz

Data 09/04/2010 11:13:51 | Tópico: Prosas Poéticas

O vapor da cidade sobe na incandescência, calor absurdo, fétido que invade as entranhas e corrói a silente devoção dos passos espalhados pelas calçadas empoeiradas. Hienas do asfalto a vagarem sem rumo e a urrarem sua fome nas vielas da angústia. Insatisfação, molduras de desejos descartáveis nos outdoors a anunciarem glória e dor. Toda dor é celebrada nos bares e biroscas dentro de copos de almas, que tragadas entorpecem o corpo dolorido. Sonhos se desfazem com o som ensurdecedor da engrenagem sacrílega urbana que atormenta a paz.

Paz! Santíssima paz, tende piedade de nós!

Paz! Santíssima paz, tende piedade de nós!

PAZ! SANTÍSSIMA PAZ,

LIVRAI-NOS DESSE MALDITO INFERNO!

O inferno cresce e sobe morros estampando concreto e mocambos de sofreguidão. O verde acinzentado sopra o vento da tristeza. Um seio murcho alimenta o futuro com o colostro da desilusão. Insanidade corrói: fuga para o mundo paralelo escondido dentro de uma revista de moda: Nudez! Uma criança chora! Tapa na cara do vapor! Estampidos, bombas e gritos de medo horror. A seleção perdeu. Sobe o gás. Caiu um corpo no chão. Não, aqui não é o Iraque! Não, aqui não é a Palestina! Aqui é quase guerra civil! Aqui se desfaz o que o passado desistiu. Corpos se degladiam em espaços mínimos diante das vitrines: vende-se isso, vende-se aquilo e come-se em pratos vazios. Já não sei rezar. Já não meço a minha dor. Não quero bálsamo, quero vodka! Já não vejo flores, não há rosas no jardim! Sinto apenas o mórbido perfume que me lembra o ritual de um velório...da minha morte?

Meu corpo morto,

ah o meu corpo...será enfim

velado por uma silenciosa sala vazia...

Santíssima paz rogai por nós!






Este texto vem de Luso-Poemas
https://www.luso-poemas.net

Pode visualizá-lo seguindo este link:
https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=127532