LEMBRAR-ME DE TI

Data 14/04/2010 01:10:33 | Tópico: Poemas -> Saudade

LEMBRAR-ME DE TI


Ainda me lembro…
Os dois sentados diante da serra
Mergulhados no verde e no azul…
Os teus olhos saltitavam de nuvem em nuvem,
Acolchoavam a fantasia de sonhos e projectos,
Riscavam o céu como relâmpagos,
Eram a recta orientada para o futuro…
Eu dizia-te:

- Amor, depois de mim há tudo!

Os meus compridos dedos entretinham-se
A brincar com o éter perfumado…
Um carrossel de emoções brotava da pirâmide dos meus desejos
Em tropel,
Definiam prioridades e anseios,
Onde eu era a peça central de um puzzle por ti inventado
Num labirinto de outras tantas peças
E com uma carícia ao teu cabelo
Dizia-te:

- Amor, depois de mim há tudo!

Tu falavas da vida e construías panóplias de sabedoria
Com palavras cor-de-rosa e voz doce
Onde eu era mais uma vez e sempre
O cavalo alado com asas de querubim a mergulhar nos astros
A construir Ursas Maiores em horizontes indefinidos
Onde escrevia no cimo de um morro qualquer
Desde que a tua presença se fizesse sentir pelo teu cheiro:

- Amor, depois de mim há tudo!

E quando o sono de tanto querer acalentava a minha excitação
Tudo o que eu queria era a tua mão sobre o meu peito
Arfavas como o chicote do vento e desprendias as amarras
Da loucura
Brincavas com o sol a tempestade da luz e
Diante da voz melodiosa da lua
Encenavas o teatro da comoção
Onde eu representava o mundo
O recheio da maça de Adão
A dentava de Eva
O Deus Omnipotente no Carnaval dos sentidos
Dizia-te então:

- Amor, depois de mim há tudo!

Por fim
Passavas diante das ondas no Reino de Iemanja
Que saltitavam de contentes…
Vinham as sereias solfejando…
Atiravam água às estrelas e fotografavam no mar todos os corcéis!
De lá do longe
Todos os navios traziam notícias de mundos distantes…
Índia vinha adormecer no meu travesseiro!
No teu olhar sebastianista
Eu encontrava o cloro das minhas ilusões e deixava-me ficar
À proa desses navios
A crer que o mundo tinha mesmo essa dimensão
E dizia-te:

- Amor, depois de mim há tudo!

Já acordado
De pé diante das mesmas águas
Na proa do navio fantasma em forma de nevoeiro
Faço teias de aranha com o infinito enrolado nos dedos
O rosto prenhe de lágrimas, os nervos rasos de água
Enquanto as sereias mergulham na minha visão errante
E nunca mais voltam
Procuro na areia o eco da tua voz num búzio quebrado
Numa concha ressequida
E então oiço-me a gritar às vagas sobressaltadas
Que me lavam os pés de murmúrios:

- Amor, sem ti não há mais nada!

12 Julho 2007
ANTÓNIOCASADO






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