| |  
 
 ALUCINAÇÃOData 15/04/2010 18:55:57 | Tópico: Poemas -> Sociais
 
 |  | ALUCINAÇÃO 
 
 Na inconstância de todos os delírios
 As fontes rasgam a paisagem
 Desejosas de respirar a luz da natureza…
 
 Ondulados ao vento os cabelos
 Carregam os intervalos do tempo
 Como flores brotadas da aridez…
 
 O delírio navega num mar sem ondas
 De encontro ao farol do tempo
 Que se prolonga na vicissitude do momento
 Quando o movimento não é se não a morte
 Ou quando o espírito da vida
 Insano e púbere
 Se afasta do corpo e vagueia
 Fendido de tormentos
 Pelo mar morto dos desânimos.
 
 Fora isto
 Um desejo abstracto de ser tudo
 Uma forma incompleta de um desejo total
 Onde o absoluto
 É apenas um mar de sensações perdidas
 Num labirinto sem início.
 
 Sobre os cabelos ondula uma lemniscata frustrada
 Que contém apenas a sorte que nos recusa
 Com uma promessa de céu amortalhado
 Entre conselhos levianos e abjectos…
 - Estais sós!
 
 Neste vazio concreto de incertezas
 Uma lareira deposita os restos mortais na poeira
 Onde apenas a dor do poeta sobressai
 Perdido num vaga-lume sem alcachofra nem verão
 Para dizer aos condenados da cidade:
 - Não estais sós!
 
 Estamos realmente sós…!!!
 
 Ao nosso redor
 O xaile de uma fantástica alegria forçada
 Forja romarias e fogueiras de fé.
 O álcool depura a sede de vida dos rotinados
 Que à falta de uma perspectiva em forma de bandeira
 Fazem das horas que lhes restam retalhos de dias iguais
 Com sorrisos e cumprimentos nómadas e banais!
 - Estão sós…
 
 Por vezes ainda procuram na fonte que sufoca de luz
 Um motivo para que justifique uma pulmonar inspiração
 De tanta fantasia alcoólatra.
 Então riem… dançam… cantam…
 Só a futura esperança é nada!
 
 Em permeio com tanta frustração
 Içam a bandeira já rasgada pela mão dos sonhos
 Arremessam ao vento teorias platónicas
 E aguardam junto à lareira o futuro de ontem.
 
 Se alguém me perguntar pelo que já foi
 Antes ou depois da leucemia da fantasia
 Respondo com a voz embargada de tanta indignação
 À agonia dormente das esperanças assassinadas
 Ao longo das pedras petrificadas pela indiferença:
 - Não sei.
 
 Se alguém na jactância do desespero
 Insistir em perguntar pelos dias vindouros
 Como quem pensa que tendo barro é oleiro
 E quer martelar o caminho na forja do que virá
 Respondo com um vale fingido de emoções:
 - Não sei.
 
 Vendo bem… Que sei eu?
 Talvez nas palavras que nunca escrevi
 Ou nas crenças que me passaram à margem dos sentidos
 Saiba que existimos como sentinelas…
 Talvez para não falar do que não sei
 Encontre refúgio entre suspiros e luzes delirantes
 Descubra no pecado mortal do olhar
 Uma resposta fria, vazia e irreal…
 
 De que me serve ter uma resposta
 Quando todas as questões são mortíferas
 Quando ninguém quer saber
 Por temor à verdade que ousam defrontar?
 Se pelo menos no espírito de cada um
 Que respira o mesmo ar que eu
 Que pisa as mesmas pedras que eu
 Que se alimenta da mesma forma que eu
 Houvesse um delével aroma de indiscrição
 Talvez decifrássemos nos momentos mudos
 A paz tão precisa para encontrarmos a verdade…
 
 Se pelo menos um pedaço de sonho amanhecesse
 Nas pálpebras fechadas por pestanas de sofrimento…
 Se transcendesse os limites incomensuráveis da vida
 Que nos desgasta de tanta inércia e comodismo
 Nos fere de tanto desinteresse e indiferença
 Nos gela porque ninguém planta uma flor!
 
 Vagabundos errantes de um destino fugaz
 Abrimos a porta da futilidade e da frivolidade
 Escondemos devaneios e desejos secretos
 Na roda dentada que nos esmaga o crânio
 De tanto perguntarmos às aves que são livres:
 - Porque não sou feliz?
 
 Porque ser feliz não é morrer de tédio!
 Porque ser feliz não é morrer de frio!
 Porque ser feliz não é morrer no vazio!
 
 Preencham a vida de lutas e vontades!
 Porque escolhem não percorrer caminho nenhum?
 Acordem desse desértico sono de imensidão e nada!
 Plantem flores!
 
 No fundo
 Geminam uma imensa piedade pelo que são…
 Lambem os beiços com a avidez de um cadáver
 Que desespera pela cova ainda fechada.
 Morrem aos poucos numa agonia lenta…
 E sós!
 
 Aos poetas suportam a inoportunidade!
 Não por serem portadores de uma qualquer verdade
 Escondida na manga de um verso inventado
 Mas por pintarem no quadro da sala o motim da razão
 Com as frustrantes cores feitas de dores reais!
 Suportam-nos como quem suporta os picos dos cactos nos pés
 Só porque é homem e não deve nem pode implorar!
 Suportam-nos porque ousamos navegar num mar tempestuoso
 Sem resquícios de vaidade, nem ignomínias soberbas!
 Suportam-nos porque enfrentamos…
 
 Perante o luto da alma sou poeta!
 Sou o vagabundo errante que procura uma folha de cartão
 Para dormir ao relento numa noite de vento e chuva!
 Sou o alegre Pierrot que ri, dança, canta
 Sobre um pelourinho inquisitório e imundo!
 Sou a loucura de Nero numa orgia romana
 Lanço fogo às ruas intolerantes de Roma!
 
 Sou o futuro!
 Vejam este deus menor
 Como se passeia sobre a petulância das folhas do poder
 Com a graça de um passo de ballet
 Diante dos vossos olhos incompreendidos…
 
 Eu marco a tolerância do absurdo!
 Suportam-me porque lhe furo os tímpanos de gritos
 Faço rodilhas das frustrações
 Esgrimo com uma espada forjada nas pequenas misérias
 Um ambicioso colectivo de subtracções!
 
 Eu sou o braço estendido do vosso desespero!
 Felizes… Como sois felizes…
 Nem quando por sorte do destino a morte os vai buscar
 Com uma foice de eternidade e lamentos e
 Vos encaixota com um sorriso seco nos lábios roxos…!
 Levam convosco um passado de lama
 Onde nada existe que valha a pena reflectir!
 Pois que morram tão felizes como viveram!
 Se ainda algum indício de fantasia
 Nublar de sonhos napoleónicos e idealistas a vossa mente
 Ponde uma corda à volta do pescoço da vossa família
 E ide descalços junto da senhorial morte, como Egas Moniz,
 Reclamar os preceitos da cega obediência ao Hades!
 Pois morram nessa fantasia!
 Cocem a sarna do tédio!
 Ruminem a erva do desapego!
 Mas por favor, morram felizes!
 
 Deixem as fontes! As águas já secaram…
 Abandonem os jardins! As ervas já murcharam…
 Esqueçam os mares! As ondas já acalmaram…
 Não precisais de barcos porque no deserto não se navega!
 Apenas os abutres nidificam na areia tórrida!
 Oásis? Oásis são os vossos sonhos perdidos num caos
 Quando os abismos rasgam a carne e dilaceram a mente
 De tanta dor – se ainda houver espaço para a dor –
 Relembrada em goles de aguardente e alucinação!
 
 Pois que consumam a vida como quem ingere o veneno
 Que alimenta os glóbulos imbecis da vossa ausência de querer!
 Pois que consumam a vida como quem respira carbono
 E aceita a luz do dia como um ácido corrosivo!
 Sois o que sois! Nem bons nem maus!
 Apenas, e só, pedaços de nada a boiar no infinito…
 Nada!
 
 antóniocasado
 
 | 
 |