| TSUNAMIMilene Sarquissiano
 
 Olha, seu moço
 já virou rotina
 esse papo de chacina.
 Isso é coisa que eu ouço
 desde os tempos de menina
 quando eu era direita,
 bonita, e moça feita.
 Quando as vozes do morro
 imploravam socorro
 nos ouvidos surdos
 dos homens mudos,
 os chamados "doutores"
 que faziam horrores
 inclusive vistas grossas
 pra certos assassinos.
 E nas raras vezes
 que entravam na favela
 nos passavam em revista,
 nos chamavam de cadelas
 mandavam fechar a boca
 e só abrir pra comer
 o senhor sabe, o quê...
 
 Olha, seu moço
 nunca tive diamante
 mas era ajeitada e limpa,
 limpa por dentro e por fora,
 era bonita e elegante
 tinha mais dentes que agora
 tinha motivos pra sorrir
 e até uma cama pra cair.
 Hoje só caio na real
 sem direito a aviso prévio
 sem direito a tropeçar
 primeiro nos meus sonhos.
 
 Tá difícil, seu moço...
 Sem trabalho, dou trabalho.
 É barra segurar a onda
 quanto mais toda a maré.
 Então vou morrendo em vida
 afogada em tristezas,
 afinal...
 nadar contra a Tsunami, quem quer?
 
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