Variações em dó maior

Data 24/04/2010 21:04:42 | Tópico: Poemas


Escrevo-te num tingir de tinta
que se esparrama, por um papel
marginado em poemas suspensos
pela palavra perfeita que te rime
com o sal que roças na língua
na hora em que te aconchegas
ao rasgar das noites
onde nem a lua cheia te ilumina
o adorno do sorriso que não vislumbro.

Escrevo-te equilibrado no gume do abraço
da incerteza em que me suspendes
cujo nó me aperta a cervical
e me impede de engolir a lezíria
que corre no teu rio manso.

Escrevo-te em alegorias de azul
debruado pela madrugada que não quer ser,
sol-posto de lua que se adivinha
e que vem para ficar,
alongando a noite no meu dia retinto.

Escrevo-te em rimas mastigadas,
poemas quebrados pelas articulações
que se vergam ao sabor das marés
do meu descontentamento
mancha das conveniências
onde alojas o flanco e ficas…
como puta em esquina de montra fundida,
despida de nylon que afirmas ser seda.

Escrevo-te sem contemplações,
sem misericórdia, de dentes em riste
e olfacto apurado,
lobo da tua noite,
ave de rapina dos teus despojos
pendurados na cruzeta
da pensão sem eira nem beira.

Escrevo-te na secura estéril
do riacho que se extinguiu,
na memória das águas que por ti passaram,
os seixos polidos que lanço agora no teu fundo
sem lhe ouvir o fim…
e fico à escuta.




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