Dois dedos de Conversa

Data 25/07/2007 18:49:29 | Tópico: Poemas -> Reflexão

dedicado a cada pessoa que adore o sítio onde vive. Lisboa é o Meu e este poema é dela.
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Do alto de cada uma das tuas colinas,
Lisboa,
Caem sonhos, futuros incertos,
Passados que o tempo não apaga,
Vidas que a água não lava,
Manta por Clepsidra estragada és,
Lisboa...

Não te vejo passado, nem presente,
Nem futuro, amiga...
Vejo-te dentro de uma única estória
Tecida pelo mais puro fio de oiro
Pelas mais habilidosas mãos
Nos meandros do Mundo.

Foste tecida com as vitórias de Roma
Com os amores de Veneza
Com a arte de Florença, a ciência Francesa
E fiadas e fiadas de sonhos.

Teceram-te lendas
Mouras encantadas chorando nas ruínas
Da cidade muçulmana que foste
Campos de alfaces que
Te mataram a fome, Lisboa.

Cheiras a sangue heróico
(Mais, estás impregnada dele)
Até parece que, se fechar os olhos
e me deixar cair, cair, cair, cair
No âmago da tua história
Consigo ouvir nas pedras o roçar dos gumes
Afiados na carne fresca
Espadas batem e rebatem
Espadas que te conquistaram.

"Viva El-Rei D. Afonso Henriques!"
Ouço, junto à quieta estátua
No castelo altaneiro
Consagrado a S.Jorge
Que, como tu Lisboa,
Venceu o dragão (inglês)

Até pareces um palco
Onde se representa um épico
Personagens que partiram e voltam heróis
Personagens que partiram e não regressaram
Personagens que vagueiam, sós...

Mas espera! Ouço os sinos da Sé!
Uma, duas, três, quatro,...doze badaladas
É meio-dia, pardo e lento
Como os lagartos a aquecer ao sol.

A velha Sé, austera como sempre
Cada grão, sua história
Cavaleiros, mouras, amores desencontrados
Heróis criados, reis coroados
E mais outros tantos ainda por encontrar.

Caminho, pelas tuas vielas,
Onde o povo sempre soube lutar
Força da terra nunca lhes faltou
E houve sempre alguém, por mais espaçado
Que o tempo parecesse, para os liderar.

E os cafés! Ah, os cafés e os botequins
Onde revoluções se preparavam no mais absoluto silêncio...
E almas criativas conquistavam a imortalidade
Lançando palavras sentidas a despique
Divertindo, enfurecendo, emocionando gerações...

Repara no Nicola, ainda lá vive
O espírito do Casanova português
Cujos sonetos e piadas jorravam para fora da sua boca
Da mesma maneira que o vinho jorra para dentro de
Um bêbado qualquer.
É Bocage que lá vive
O homem dos mil amores.

E sentado, no Martinho da Arcada
Estão cinco homens onde só vemos um
Cinco esses, às vezes mais,
Mas veremos sempre um.
Pequeno, atarracado, perturbado por Calíope
Que lhe fez pensador, quando lhe doía
Que não sabia viver no seu tempo
Pessoa era, mas só de nome.

Também no Tavares, nobre restaurante
Que se te faltar a atenção não o vês
Vive um nobre revolucionário
E as suas personagens
Eça de nome, Queirós de apelido
E uma imaginação imensa.

Estes poetas, Estes escritores,
São apenas uma amostra
Porque a tua criação, Lisboa
Assombra o mais erudito dos eruditos
Hà tantas histórias e estórias em ti
Que nem sei
Nem tu sabes
Por onde começar.

Vejo o Nobre Chiado à minha frente
Ao lado a Baixa, sua irmã
Pais da madeira dos palcos
Das cortinas vermelhas
Do rouge das caras
E dos holofotes.

Pais dos seres humanos de mil caras
De mil nomes, mil emoções
De mil sentimentos.
Um dia reis, outro dia doutores
Outro dia o mais pobre dos mendigos
Outro dia o mais pobre dos Homens.

Tiveste de tudo um pouco
Galãs, divas,
Comédias e tragédias a despique...
Pouco dinheiro...
Cadeiras vazias...

Mas sem vacilar avanças
Por entre os Vicentes, os Saramago
E os Sttau Monteiro.

Porque Portugal tem magia e heróis de sobra
Para alimentar o pó de palco
Até à eternidade e mais além...

E até no teatro
Heróis tiveste, Lisboa
Que te encham as medidas de memória
Porque se um português só cai
Com a bala cravada no corpo
Mas o último tiro da sua no inimigo
Lisboa só se considerará conquistada
Na última pedra marcada
Só, na última.

Tivemos o nosso Viegas, Mário
Cujo amor à madeira que ressoava
Ao som de cada aplauso era
Amor Shakespereano
Que recitava poemas como quem
Segurava um diamante nas mãos
(Aí não estava, mas em todo ele
Pessoas assim são jóias)
Viegas da expressividade, do ardor
Mário Viegas que a clepsidra apagou
Cedo demais.

Tivemos os nosso revolucionários
O Estado novo raiava e continuavam
Sttau Monteiro à proa
S.Julião da Barra a arder
E ainda continuavam a gritar:
"Felizmente, felizmente há luar!"

Não há como parar o movimento perpétuo
Em que vives Lisboa
Alimentas-te continuamente
Da sede dos Homens
Que em ti, amiga,
Vêm beber do cálice das Musas

Logras-te chegar mais longe
Pediste graça divina
E na Sra. da Graça
Sobes mais alto
Só para te admirares Lisboa
Quão vaidosa, quão vaidosa és...

Desces o Ouro e a Prata
Viras para a Augusta
E no fim, voltas a afirmar
Sobre o arco que a tua gente construiu
Que és nobre como Roma
E o triunfo que demonstras
É justo e teu
Conquistaste-o.

Á tua frente estende-se o Terreiro do Paço
Ao centro D.José parece indicar o caminho do mar
E respiras a reis, ministros e intrigas
Neste local onde o Paço houve
Até se ouvir gritar: "República!"

Seja um rei ou rainha
(Alguém da velha guarda)
Seja presidente ou general
Seja quem for, Lisboa
Sempre tiveste líder
Sempre foste líder
Nobre Lisboa

Foste poder, és poder e serás poder
Poder para gerir um país
Poder para ser líder de um país
Poder para seres forte, corajosa

E com os olhos cravados no rio
Vejo o teu apogeu
A Lisboa do mar, das Caravelas
A Navegar, navegar, navegar
A dar novos mundos ao Mundo
A dar ilhas e mares
E terras e lares
E culturas (aos milhares)

Destes Gamas e Álvares Cabrais
Soltaste-os no azul do mar
Esperaste luas e luas
Até que voltassem

Uns voltaram cobertos de glória
Outros tornaram-se alimento do mar
Ficaste para a história Tejo
Pelas conquistas que viste partir
Pelas conquistas que viste chegar
Pelos milhares de almas a chorar na areia
Pelas famílias desfeitas, pelas noivas por casar
Só para que fosse teu o mar...

E lavo os olhos no rio
Ouço o buzinar dos carros
Pessoas a gritar
Como se o apocalipse fosse amanhã
Sem pressa, sento-me à beira das àguas
E contemplo o teu apogeu...

Olha Lisboa, anoiteceu...


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