A floresta muda

Data 08/05/2010 21:33:35 | Tópico: Crónicas


- Catarina – chamou, sublinhando a urgência no prolongamento das sílabas que o eco lhe devolvia, voltou a chamar, e voltou… Na floresta subitamente quieta só ouvia o som da sua voz, mas da Catarina, nada. O vento ameno que abanava as agulhas dos pinheiros cessou de repente e com ele o cantar dos pássaros, o restolhar das folhas e das heras que cobriam o chão fizeram eco ao mutismo reinante. Nunca tinha experimentado esse silencio vindo do nada, gélido e petrificante, olhou o caminho de onde vinha, na encruzilhada que tinha acabado de desfazer, já não se lembrava que caminho o levara ali, olhou em volta pensando que não fosse esse caminho, talvez se tivesse confundido e afinal viesse do caminho que empreendia em frente, mas nova encruzilhada, esta perfeita nos ângulos sinuosos. Olhou o céu azul sem nuvens…e sem sol. Mas os seus raios perpassavam as folhagens mas sem direcção definida que lhe permitisse vislumbrar a localização. Talvez a noite trouxesse as estrelas, ou na pior das hipóteses o dia seguinte traria um novo sol.
Começou a caminhar por onde lhe parecia que tinha vindo, tentava reconhecer algo de que se lembrasse, reconstituir uma imagem de uma pedra, de uma árvore, de um arvoredo e caminhou, caminhou… Em cada encruzilhada tirava à sorte na esperança da boa fortuna lhe indicar o caminho. O passo foi-se tornando mais lento à medida que o cansaço o invadia, olhou um ribeiro estranho cuja água corria mas não ouvia o seu marulhar de encontro à pedrinhas que lhe formavam o leito e começavam a reflectir o luar da noite, lembrou-se das estrelas, da lua, talvez servissem de pêndulo de bússola neste deambular que o enlouquecia, correu em busca de uma clareira, sempre olhando o céu, azul noite reflectido na água que bebeu mas não lhe mitigou a sede.
Um pavor crescente começava agora a apoderar-se dele, na fuga que encetara ou na busca que acabara, que sentia terminar, correu mais, sempre a correr desviando-se das árvores que a luz recortava em testemunhas silenciosas do seu pavor, calcando fetos, arranhando-se no tojo, indiferente à dor, de repente…
De repente o vazio aos seus pés, ficou sem chão, sentiu agora o vento que lhe insuflava as roupas na descida vertiginosa que começava e o auxiliava a manter um equilíbrio precário de sustentação corpórea no ar que rasgava na queda sem fim.
Catarina esperava-o lá em baixo de órbitas esgazeadas na ironia suprema de quem cai e fica de braços abertos como quem espera abraçar alguém.




Este texto vem de Luso-Poemas
https://www.luso-poemas.net

Pode visualizá-lo seguindo este link:
https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=131848