sou maluco, sim senhor

Data 11/05/2010 09:15:43 | Tópico: Crónicas

Sim senhor, sou maluco, com visto carimbando pela associação de malucos do norte.
Ó, veja aqui, esta minha foto no cartão, veja lá se não sou eu? Para que saiba, sou maluco desde mil novecentos e noventa e quatro, ano em que descobri a bolinha de ping-pong amarela.
Desde daí, nunca mais parei de jogar com a bolinha contra as paredes dos edifícios públicos.

Sou maluco, com vários campeonatos ganhos, portador de medalhas ao peito para quem duvidar. Estudei muito para ser maluco, ajudei pessoas normais a se tornarem perfeitos malucos, tenho o orgulho de, em vinte anos de carreira, nunca usar meias da mesma cor em cada pé, nunca entrar em casa pela mesma janela.

Claro que nesta caminhada há muitos invejosos, gente normal que quer ser como eu, mas coitados, coitaditos, falta-lhes uma boca para engolir insectos e cuspi-los vivos. Como eu fiz certo dia, quando numa demonstração de desafogo mental, lá em frente ao juiz para que, antes de bater o martelo na mesa, dissesse: este gajo é maluco!

Ser-se maluco hoje em dia é arriscado, dá dor de cabeça, investe-se energias, já que, até os normais estão fazendo coisas incomuns e, maluco que se preze, tem de variar, fazer o que os outros não fazem, subir ao coqueiro mais alto, fazer enormes círculos com o xixi, logo, a imaginação tem de estar sempre em alta rodagem até fazer pião no pensamento veloz.

Só tenho a infelicidade de não ser um maluco por natureza, tive de aprender com os mais velhos, participando em colóquios, passar fins-de-semana em acampamentos com malucos mais experientes, trocar a minha religião por uma seita de malucos, afiando lápis nas orelhas, escrevendo poesia porno-popular.

Se eu não fosse maluco, a minha vida seria tão monótona, mas tão monótona, que o meu sangue reclamaria, os meus olhos acabariam por se tornarem ridículos ao verem sempre esta realidade tão carente e tão térrea.

Sou maluco sim senhor, já falei deste assunto com duas borboletas que me confirmaram. E vocês sabem que as borboletas não mentem. Maluco que é maluco corre atrás de um sonho sem pensar em desistir a meio. Maluco vai em frente, um pouco como a galinha, acreditado que, ao correr, o mundo gira. O meu sonho é casar com uma maluca e ter filhos maluquinhos.
Se houver alguma por aí que deixe recado por debaixo da porta que, assim que voltar do planeta Malaico, onde estou fazendo uma pós-paranóiquice, responderei.

Recordo com alegria o dia em que o médico me passou o atestado de doideira dizendo que o melhor era eu afastar-me da civilização.
Dei-lhe um beijo na face e corri atrás de mim para contar a novidade. Desde esse dia, deixei o trabalho, ganho uma pequena reforma e sou maluco a tempo inteiro. Assim sendo, fico mais por casa a roer as unhas dos sapatos e a envernizar as folhas das plantas.

Eu sei que você gostaria de ser como eu, vá, confesse, gostava ou não gostava de sair à rua sem aquela capa de mentira?
Mandar para o tanas quem tiver de mandar, ter um caso de amor com uma boneca de porcelana, ir às compras com o seu peixe de estimação, e os dois a carregar o cesto das compras, cada um com a sua asa.
Impressionar a gente culta com o tamanho dos seus olhos arregalados e boca meia de lado, dar um festival em como se dança no meio da rua sem ter música a tocar.

Está pensando o quê, que não sei distinguir a batata do escaravelho, que falo as coisas por falar? Acha que sou o quê, pirado da cabeça, fusíveis a menos, que passo a vida a falar com as pedrinhas, ou que não sei quantos dedos tenho numa mão? Vá chamar maluco à sua tia, ouviu, que eu não o conheço de lado nenhum, seu normalzinho!



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