às voltas pelo adro da igreja

Data 11/05/2010 19:11:26 | Tópico: Crónicas


A guerra que grassava na raia e atravessava todo o país vizinho numa mancha de morte tinha repercussões em Portugal que o ranzinza do “botas” que regia este jardim ajudava ao esforço de guerra de seu irmão gémeo, o generalíssimo Franco. A igreja católica servia de veículo de legitimação desses regimes horrendos como de seguida havia de legitimar o holocausto nazi pela negação dos factos. Com esse tipo de regimes era fácil encontrar os abades que viviam à farta e rezavam missa para tuberculosos subnutridos e mortos de fome. Em Riba D’Ave, próspera terra aninhada no vale do Ave havia um que costumava de tarde andar a ler o breviário em dias de sol à volta do adro da igreja ostentando a barriga ao fim do lauto almoço que naquele tempo metia muitas vezes galos e cabritos oferendas do povo que mais não tinha para dar à igreja.
O Adriano andava pelos 10 anos de idade, malandro e travesso como sói ser-se nessas idades finais da infância início da adolescência que o povo chama na sua proverbial sabedoria, “passar de pito para galo”. O menino era pobre como eram todos os meninos nesse tempo em Riba de Ave que não fossem da família do Sr. Conde ou do seu séquito de serviçais e lambe botas que andavam em volta dele como moscas em volta da merda. O menino normalmente não almoçava, comia um mata bicho de manhã que mais não era que um caldo de couves cozidas ou um pedaço de pão com cebola e um bagaço para aquecer, e assim ficava até à hora de jantar em que o menu era igualmente frugal com a diferença de que se o pai estivesse com uns copos a mais ainda se habilitava a ir para a cama de lombo quente e assim já não precisar do bagaço.
O abade gostava de se meter com os garotos e rir-se um pouco à custa deles, ao passar pelo Adriano atirou-lhe:
- Ó rapaz, já almoçaste? – Perguntou-lhe em tom severo.
- Ainda não Sôr Abade – respondeu-lhe o menino o mais humilde e respeitosamente que era capaz porque sabia que o abade tinha braço lesto a dar umas bofetadas à garotada.
- é pena rapaz, se já tivesses almoçado vinhas ali comigo à adega beber um copito de vinho com uns figos que me sobraram do natal, mas como estás de barriga vazia o vinho pode-te fazer mal, fica para outra vez. – e continuou o caminho embrulhado na leitura do breviário com a batina a “dar-a-dar” no fundo da proeminente barriga.
O Adriano ficou aborrecido com a resposta e pensou que para a próxima não havia de responder igual, ainda havia de provar o vinho do Abade.
No dia seguinte o menino plantou-se de novo no adro da igreja na esperança que o abade lhe voltasse a fazer a pergunta, de olhitos brilhantes mal disfarçando a gula, de olhos postos no abade à medida que este ia chegando à sua beira. O abade manhoso ao chegar à beira do rapaz atirou-lhe de novo com a mesma pergunta no mesmo tom de superioridade:
- ó rapaz, já almoçaste?
- Já sim senhor, sôr abade – responde de pronto o Adriano pondo as mãos na barriga esquálida como se estivesse saciado de grande banquete. “Agora é que vai ser”, pensou ele.
- È pena rapaz – responde o abade de olhar jocoso – a Mariazinha acaba de matar um frango e está a fazer uma cabidela, senão tivesses almoçado vinhas-me fazer companhia a comer o galinácio. Assim, olha fica para outra vez…




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