o menino que se tornou homem

Data 18/05/2010 17:35:08 | Tópico: Crónicas


Sentado na berma do passeio, os cotovelos apoiados nos joelhos, as mãos a segurar o queixo, o garoto vê o desenrolar do desafio de bola que se desfia na estrada ocasionalmente interrompido por um ou outro carro que passa. A garotada salta, corre, grita em debandada atrás da bola num jogo de auto arbitragem que normalmente resulta num arraial de porrada quando se discute os limites da grande área e se a falta em causa foi dentro ou fora. Em arremetidas chovem socos e pontapés a acrescentar nódoas negras às provocadas pelo acérrimo desafio.
O menino vira costas ao desafio que agora é um festival de luta greco-romana e deambula pela rua mãos nos bolsos, ombros baixos, olhar pregado no chão. No dia seguinte seria a romaria de S. Pedro e lá estaria a Madalena a vender algodão doce e pipocas como sempre. O que lhe dizer, como proceder quando a visse, eram as duvidas existenciais que assolavam o garoto. Lembrava-se do beijo que trocaram em fim de festa no ano anterior, a invasão tímida da sua língua na boca dele, o frémito que o percorreu e esperou um ano para renovar a sensação tantas vezes relembrada no silencio do quarto à noite. Lembrava-se ainda dos pequenos seios que quais tangerinas despontavam do decote da camisola de alças que lhe descobriam os ombros de alva pele, numa curva perfeita para apoiar o rosto. Um rubor subiu-lhe à face ao relembrar a noite azul a iluminar-lhe o rosto, os dentes brancos aureolados por uns lábios de ameixa madura que se poisaram nos seus com a delicadeza do beija-flor.
À noite entre os lençóis a escuridão veio-lhe sussurrar a promessa de uma romaria sem igual, benzida pelo amor em espera. Das fretas da janela a lua embalava-lhe o sonho e as estrelas diziam-lhe como estreitar a sua cintura. O recorte dos velhos carvalhos vergados pela idade e pelo peso primaveril contavam-lhe dos amores que viam no seu sopé, desde que se lembravam, uns inocentes, outros lúbricos como o suor que lhe empapava os lençóis. Já não receava, já não temia, saberia o que lhe dizer, o que fazer para provar de novo a romã fresca em seu corpo.




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