PAGU, EH PAGU

Data 20/05/2010 12:47:09 | Tópico: Poemas

- Prazer, Pagu, rainha do Anhangabaú.
Foi assim, desse jeito irreverente, que a menina bonita se apresentou, numa roda de bar de boêmios. Ela só tinha 17 anos, coisa pouco comum para uma moça da época.Fumava muito, bebia e dizia palavrões. Pintava os lábios de roxo para chocar. Sempre acobertada pela tímida irmã, Sidália. Era assim Patrícia Rheider Galvão, a Pagu, musa do modernismo brasileiro.
Nesta roda de boêmios, incluem-se os poetas Raul Bopp - um diplomata de carreira -, Oswald de Andrade - com o qual ela viria a se casar depois,numa cerimônia no mínimo estranha, celebrada no mausoléu da família do poeta, no cemitério da Consolação - e a artista plástica Tarsila do Amaral - há quem diga que houve um triângulo amoroso entre os três: Pagu, Tarsila e Oswald.
Patrícia nasceu numa pequena cidade do interior de
São Paulo, São João da Boa Vista. No dia 9 de junho, completaria cem anos. Mais do que poeta, foi a Rosa Luxemburgo Brasileira. Quando foi morar em Santos, ainda menina, chocava a todos pelos seus modos de ser: - o principal, fumar em público e se vestir de maneira ousada.
Numa mesa de bar, tomou Oswald de Tarsila. Sua graça, beleza e inteligência eram contagiantes. Sua coragem maior: "Só amo duas pessoas na vida: Tarsila e eu", ela dizia. Tarsila até a morte sempre teve admiração e amou essa menina, de olhos moles, como a chamou Raul Bopp, no poema Coco, que lhe veio roubar, dela, Tarsila, o marido, mais um falastrão que um poeta.
Um dia Pagu participa de uma manifestação de estivadores, nas docas de Santos. Um dos estivadores é ferido à morte. Ela se abraça ao cadáver. Sobe ao palanque. Discursa. E é presa. É sua primeira prisão. Virão outras na sua história.
Agora militante no Partido Comunista Brasileiro, vai embora do Brasil. Deixa o filho Rudá aos cuidados do pai. Já não há mais espaço para ela na terra de Macunaíma. Está marcada. A menina frágil, agora uma mulher, também sabe atirar. Vai á China, de onde envia as primeiras sementes de soja ao Brasil. Passa um tempo na União Soviética. Mora na França, onde milita no Partido Comunista local com o nome falso de Leonnie. É presa de novo por agitação. Só não vai parar num campo de concentração graças ao embaixador brasileiro, que intervém a seu favor, impedindo o pior - seria entregue à polícia de Hitler, também por conta de seu sobrenome alemão, Rheider.
Volta de novo ao Brasil. É presa e torturada. Espancada. "Não dou a mão a interventores", ela diz na cara de Adhemar de Barros, político populista, então interventor em São Paulo, na ditadura de Vargas, que havia ido visitar as presas na Casa de Detenção. Pagu não é uma presa comum, é presa política. Este seu ato de ousadia lhe custaria mais seis meses de reclusão.Por desacato.Ela não estendeu a mão ao interventor e recebeu um tapa na cara.
Seu "Sambinha", como ela chamava Oswald de Andrade, já não é mais dela. Acovarda-se, como sempre fez, este Byron tupiniquim, está com outra mulher. Esquece aquela que lutou a seu lado. Pagu volta a Santos,já com a saúde debilitada, onde passa a colaborar em jornais e revistas. Conhece o jornalista Geraldo Ferraz com quem se casa. Têm o filho, o também jornalista e crítico de arte Geraldo Galvão Ferraz, com quem tive a honra de dividir mesa na Folha da Tarde, que tinha a redação chefiada por Antônio Aggio Júnior, afilhado do homem forte da polícia política brasileira. A redação abrigava vários comunistas, entre eles, eu, com a condição de escrevermos com jeito, receber o salário - pouco - e comer no fim do mês. Não escrevíamos o que queríamos. Mas tinha gente em casa para sustentar.
Tímido, Geraldo Galvão Ferraz demorou um tempo a me falar que era filho dela, Pagu. Fui conhecer Rudá, hoje cineasta, muito mais tarde.
Minada pelo cigarro e pelo alcoolismo, Pagu morre muito cedo. Antes, descobriu o teatrólogo Plínio Marcos, autor de Dois Perdidos numa Noite Suja. Bem antes, publicou, sob o pseudônimo de Mara Lobo,por imposição do partido que a não queria escritora, o primeiro romance fragmentado, Parque Industrial, onde fala da exploração das mulheres e operárias nas indústrias brasileiras.


um poema de pagu

a minha gata é safada e corriqueira
arremeda picassol-
!lepra na trava do galinheiro e preguisamente escrancha a boca e as pernas
a minha gata é vampira...
mimo de um italiano velho e apaixonado general da brigada
dois metros de altura. pelado e sentimental. atavismo.
o luxo da minha gata é o rabo.
ela pensa que é serpente

(pagu)
(no poema, obedeci a ortografia e a pontuação como pagu escreveu na época)

_________________

júlio


Este texto vem de Luso-Poemas
https://www.luso-poemas.net

Pode visualizá-lo seguindo este link:
https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=133530