tratado às pessoas.

Data 20/05/2010 14:34:02 | Tópico: Textos










não sei quem de entre vós se acostumou a chamar-me pelo segundo nome. com o tempo perdi-me de quem de entre vós me atropelou o corpo, maldita tarde de sábado, malditos seis meses seguintes, malditas dores. esqueci-me de quem de entre vós me segredou afecto e mo atirou prontamente à cara num outra tarde, quarta-feira creio, ou seria quinta, que importa o tempo ao certo. houve quem de entre vós se erguesse, pegasse no meu corpo ao colo, me anunciasse a ida. pois digo-vos que fui, fui e bem, por aqueles caminhos que alguns de entre vós nem sequer conhecem. alguns passam simplesmente por mim como se me não conhecessem, quem afinal de entre vós me conheceu não existe, foi uma invenção minha numa tarde em que súbitamente me encontrei sem nada para fazer. há quem de entre vós me odeie, que odeie a pele, o osso, o músculo, o abandono atabalhoado de um corpo consentido. quem de entre vós julgue gostar de um resto de mim que foi quando me atiraram mundo dentro, esperavam que vos trouxesse flores, não vos trago hoje outra coisa que não terra, a única que me acolheu após a queda. falo de vós, por vós escrevo, por vós passo, entre vós me acostumo a ser-me como um cão enlaçado à perna do dono, prestes a ser esquecido. tudo por vós. quando me apercebo do que em mim nasceu, do que em mim cresce, estas nuvens todas onde me deito e deliro, delirar é a fortuna dos loucos. pois se em loucura me soubessem, se percebessem tantas vezes este pó que sucumbe as arestas limiares do rosto, se vissem que de perfil fico melhor no rebordo do retrato, se então retirassem todas as palavras do sítio onde as meti e as atirassem à minha cara - façam isso num dia de sol para as verem partir como raios para dentro da terra. quem de entre vós me matou, tantos de vós, que se encha agora mesmo de silêncio.










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