AS PEDRAS DA SÉ DE BRAGA

Data 23/05/2010 20:35:47 | Tópico: Crónicas

AS PEDRAS DA SÉ DE BRAGA

Os meus olhos sobem pela fachada da Sé de Braga. Sobem lentos, feitos montanhistas, mas animados de um espírito próprio. Detêm-se num pasmo em cada pedra, quase adormecem ao deixarem-se mergulhar nas profundas dessa pedra. De todas as pedras. Os meus olhos não se ficam na fácil contemplação da harmonia do conjunto. Mais importante é a alma que vibra em cada uma das graníticas esculturas que fazem o puzzle que é o frontispício da Sé.
É que este não é coisa morta mas vida latente, palpitante, que não é exaurida pelo próprio tempo. Elas, essas trabalhadas pedras foram moldadas, esculpidas, carregadas sabe Deus por que meios, pelas mãos de homens que passaram já há tanto tempo. Hoje quase chorei ao atentar aturadamente sem pressa, na fachada da nossa Sé.
Quando os meus olhos desciam vagarosamente pela mole granítica da Catedral, ainda sob o efeito de uma certa emoção, sinto-me subitamente sacudido pelo mundo real, o mundo de hoje, pela voz de alguém com sotaque que me pareceu eslavo. Era homem dos seus trinta anos (pela idade dos meus filhos) e pedia esmola, a mão estendida na submissa comum atitude. Fui ao bolso e dei-lhe um euro. Quando o homem se afastava eu interrogava-me sobre a minha generosidade. Ao vê-lo fazer a esquina da rua contígua à Catedral chamou-me a atenção o movimento das suas mãos e não consegui furtar-me a uma associação com essas outras mãos que construíram a Catedral. Afinal era um homem igual aqueles outros de que o tempo perdeu já a memória.
Mas um homem em principio com a mesma dignidade, mas que há instantes foi subserviente ao estender-me a mão. Senti remorsos pela pequenez da minha generosidade. Senti-me triste e um lamento sobre a sociedade que integramos aguçou em mim essa tristeza.

Antonius




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