Ouvi-te, silêncio triste, uivando fomes lá fora, como cão vadio e magro...
Lancei-te, silêncio triste, uma côdea do passado, com travo a bolor amargo.
Senti-te, silêncio triste, lamber-me as mãos calejadas pela noite em que me agarro.
E dei-te, silêncio triste, os sons dos grilos na eira, o correr da água ao largo, o esbater do dar-horas nas pedras nuas do adro, o morrer duma cantiga na garganta já sem garbo, a dolência duma voz a anunciar fados na rádio, o tresmalhar dos amantes nas ruas do são pecado, o crepitar da lareira queimando vides do fardo, o ronronar do meu gato adormecendo a meu lado...
Ouvi-me, silêncio triste, nas saudades que hoje lavro...
Ouvi-te, silêncio triste, num tempo antigo que trago no peito onde traíste esta terra onde me escavo...