sexta-feira. manhã.

Data 04/06/2010 10:08:03 | Tópico: Textos





acordei cedo. trago aos ombros o corpo da noite, pesado como chumbo, a noite que me revelou o castigo. talvez o abismo cerebral onde me meto mate os bichos que teimam em comer-me o sono, a que costumo dar o nome de memórias. lá do outro lado de um sono em estado semi-vivo adormeço parcialmente a pele. declaro-me culpada quando abro os braços e sinto a vida prender-me os movimentos. tu andas ocupado com as tuas gaivotas, preperar a fome no mar alto. sonhei que havia um planalto onde secavam meios pares de pernas e braços ao sol, era um sol que queimava, entrava pelos poros quase até aos ossos, fervilhava, borbulhava. sonhei que havia uma árvore dentro da encosta, falava uma língua estranha, coisas da terra hábil, contava a história dos meios pares de braços e pernas que secavam ao sol, que tinham sido cavaleiros do apocalipse, mais tarde tinham sido apenas ceifeiros. a imaginação é um laço que nos enfiam ao pescoço, eu acordei com um laço de corda no meu, bem feito, se me atirasse cama abaixo morria. mas que outra morte desejar senão esta, que outra morte querer com tamanha afeição senão esta que me consome e me persegue o corpo enlatado de revolta. sei de um abismo maior que a encosta do planalto sonhado, menos real, mais catártico. sei dele exactamente no lugar dos meus sonhos. e tu ocupado com as tuas gaivotas.









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