Todo o mijo do mundo

Data 05/06/2010 20:58:49 | Tópico: Poemas


Olho pela janela embaciada,
com bafo de dia intermitente,
entre a chuva miudinha
e a penumbra enevoada
que acinzenta os ossos.
As articulações gemem a cada passo
num soar de dobradiça mal oleada.
Ao longe as serras que adivinho
não me dão os bons dias hoje,
recolhem-se empáticas e indiferentes,
o gato dá um miado rabugento
quando lhe piso a cauda
no cambalear errante
que enceto para a casa de banho,
olho-me ao espelho,
imagem desalinhada com o passado,
barba rala e grisalha,
olho a banheira num misto
de necessidade e preguiça.
Acerco-me da sanita
alivio os intersticios
e vaso de uma vez só
todo o mijo do mundo.

Saio da casa de banho,
visto-me prolongando o acto
para lá do aceitável,
sem vaidade, só necessidade.
Ao sair a vizinha olha-me e resmunga
um bom dia seco de educação mal contida.
A chuva miudinha entranha-se-me no cérebro
embotando-me a aura de uma noite mal dormida.
Hoje não tomei banho para não destoar do mundo.




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