
VÉSPERA DE ELEIÇÕES
Data 09/06/2010 19:51:05 | Tópico: Poemas
| Um tatuado carrossel de sombras Trouxe a magia desconcertante do circo, Macabro ilusionismo de uma alegoria ritual Que desce ao secular coração da cidade Em clamorosa caravana de pó e fumo, Arrastando a multidão extasiada Numa procissão cega, ávida de emoções.
O colorido dos cartazes colados à pressa Anuncia o conflagrar do evento, Prodígio de um tempo de vacas magras, Desfile nunca antes visto de velhas aberrações E deserdados demónios de um abismo esconso, A destilar um veneno de cobras envernizadas.
Cintilante, o convulsivo show enche a noite, Num palanque habilmente improvisado, onde, Uma a uma, são apresentadas as atracções: O homem que cospe contra o vento Sem molhar a cicatriz negra dos lábios E promete, com as mãos junto ao peito, Este mundo e mais um cabaz prenhe de ilusões; A mulher que abandonou a própria família E mergulhou o corpo num ninho de vespas A troco da redenção de todos os infortúnios; E o homem que discursa de olhos fechados E se transforma num gigante de palha Com a espuma esverdeada da sua raiva.
Em ombros, efusivamente transportada, Chega a ultima atracção da noite, O que de melhor o circo tem para oferecer. Um bruá de espanto varre a multidão, O show atinge seu programado clímax, Num rubro coro de anestesiados sentidos À beira de um desfalecimento histérico. O cabeça-de-cartaz, com o suor da fronte, Cospe um mar de fogo e cinzas, Indomável tocha humana que se imola Aos olhos rendidos da assistência E transforma em horizontes de miragens O sangue malabarista do seu juramento, Abandonando o palco em chamas Por entre os véus efémeros de sua própria combustão.
Descalça, a plateia aplaude de pé, Presa ao chão por densas argolas de fumo, Mergulhada num hipnotismo difícil de transcrever, E mais não consegue que, gemer Contra as grades enferrujadas da ventania O jubilo atroz de uma dor amordaçada.
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