dias de r.

Data 10/06/2010 10:34:57 | Tópico: Textos






levar os olhos ao peito, ver-lhe em crescendo a dor, a ferida aberta. descer a rua com o corpo encolhido num sarcófago. como as árvores cresces para o chão e é teu o destino dos pássaros. caem-te os braços do corpo, seguram-se às pernas, caminham contigo, só mais um pouco. a rua é hexagonal e latem cães, gritos absurdos de fome e medo e raiva e pânico, sobem aos muros com os dentes afiados na pedra. duas pessoas conversam no interior de uma casa e tu interrompes o percurso do corpo para ouvires falar de amor. porque o amor dói como espetar uma faca na pele ou enfiar uma tesoura na boca. sabes que têm razão, que te dói o amor no corpo enclausurado. pendes para um lado, onde te pesam mais no cérebro as memórias, cais. ninguém passa. nos seis ângulos da rua amontoam-se restos de corpos que como o teu não souberam chorar, nem souberam o que fazer, para onde fugir. estás pálido, vem-te à boca o que te alimenta. na boca a face dela, o jeito dela, o corpo dela. a morrer-te na boca, quase à superfície do corpo. e tu sempre a quiseste ter por dentro, nas entranhas a fazer escavações, a encontrar-te sentidos, a explorar-te emoções. era ali que a punhas de cada vez que a comias, dentro do coração a coser a ferida. chove. talvez mais tarde a consigas engolir de novo. esperas. arrumas o corpo um pouco, encolhes as extremidades e choras.









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