Despida Despedida

Data 10/06/2010 17:02:28 | Tópico: Textos

Perfumada com flores venenosas

Falo-te elevando-te entre os dedos

Custa-me crer que estou pronta de falar pela vida de uma flor venenosa.


Um galope de palavras e todas as noites, tantas as noites que falámos noite fora,
durante horas, talvez cem horas e nada se aproveitou daquilo que dissemos. Não pensámos que aquilo que falávamos pudesse dar um episódio, um capítulo inacabado de entrega inteira, inteiramente à mesma loucura, ao mesmo prazer, ele e eu. Começávamos por falar do trivial e acabávamos a falar de nós e da forma como nos afectava falar do trivial e da sua beleza, igualmente esgotante que diante um escrito, uma música, uma filosofia corporal, quase sempre mudos, ele perguntava e respondia. Falávamos, pois, afinal, com o mesmo vocabulário, muito próximo do amor e dentro desse amor próximo uma profunda amizade da mesma natureza que julgávamos calada, mas falava. Falava de um amor refractado, discreto como sempre fosse anunciado por ele mesmo com o seu chapéu de feltro preto e a sua longa magreza dos séculos.
Há muitas conversas entre ele e eu. A que mais respira na minha voz foi a de um dia ao chegar a minha casa, dizer: desta vez eu não falo, és tu que falas. Vou interrogar-te. Tentámos. Ao fim de umas noites, tantas noites que falei noite fora, talvez cem horas, levantou-se. Tinha lágrimas nos olhos e disse-me: tu é que me ouviste este tempo todo. Beijámo-nos. Ri-me, riu-se, ri-me, riu-se e beijámo-nos pela última vez.



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