sr. absurdo.

Data 10/06/2010 17:43:13 | Tópico: Textos







era o absurdo. sentado no pescoço do cão, à espera que alguma pulga o interrompesse, que alguma carraça o tirasse desse estado de apatia crítica que constrói o mundo. sempre disse que havia de construir um castelo - com aquelas mãos que a terra há-de comer -, nenhum castelo foi construído desde então, nem uma pedra se moveu. nenhum corpo procura agora as pedras. era o absurdo, sei-o bem hoje, que o confundi com o acaso e quase lhe dei o braço. à saída do cinema disse-me que estava frio e a rua àquela hora ganhava uma estranha humidade que lhe causava dores nos ossos. tirei o rosto de entre as mãos e perguntei-lhe porque estava ele naquela rua, àquela hora, se sabia do desconforto que a humidade lhe causava. riu-se o filho-da-mãe de mim e com o pescoço erguido e um cigarro na boca afastou-se. julguei-o acaso ali, quando corri ao seu encalço para lhe dizer duas ou três verdades quentes, verdades que guardo há anos, entaladas dentro da pele, à espera que um gesto as diga todas de uma vez. um murro na cara do filho da mãe, para aprender a respeitar as pessoas. que absurdo. e ele de passo lento continuou andando. a rua estreitou e o fulano, ao passar num poste baixo, desapareceu, engolido pela sua própria sombra. de dúvida ou espanto caí de cú no asfalto e dei de caras com uma estranha humidade.








Este texto vem de Luso-Poemas
https://www.luso-poemas.net

Pode visualizá-lo seguindo este link:
https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=136746