PARA UM CERTO JOSÉ, COM AMOR

Data 20/06/2010 04:01:49 | Tópico: Crónicas

Um dia, vai longo esse dia, a serviço da revista Manchete, vou a um encontro de um senhor. Ele vai falar um pouco na Biblioteca Municipal de São Paulo. Sou incumbido de entrevistá-lo. Temo-o. É um senhor português, calvo, de fala ponderada - comunista como eu. Porém, consagrado.
Ao lado desse José está uma moça bonita, chamada Pillar. Tem uns olhos pretos e lindos. Que nunca os desprega do companheiro.
Ele traz nas mãos seu Ensaio Sobre a Cegueira, que fui obrigado a digerir em horas. Uma verdadeira obra prima. O mesmo eu não poderia dizer da sua A Jangada de Pedra, que ele próprio recusaria: "Foi o pior livro que fiz", ele me diria e a outros jornalistas também.
Falo de José Saramago, primeiro e merecido Prêmio Nobel conquistado por um autor de língua portuguesa, desaparecido,nunca ausente, neste final de semana. Um homem simples, que muitos pretensos autores deviam conhecê-lo melhor, pela sua simplicidade, pelo seu espírito humanitário, pelo seu desejo de igualdade entre os povos: "Não há língua portuguesa. Há países que falam português" - ele disse.
A sinceridade me obriga a dizer que nunca admirei esse José, que todos queríamos como avô, como poeta.O prosador foi brilhante. Assim como Machado de Assis e Guimarães Rosa foram brilhantes em prosa, mas deixaram a desejar em verso.Drummond também não foi um grande prosador.No entanto, o momento não é de críticas, até porque o romancista de Memorial do Convento foi brilhante. E será sempre reconhecido.
Seria estúpido,porém, se não aprendesse a amar a este grande escritor, que só fez valorizar a língua portuguesa, quase humilhada fora. Tive muito orgulho de conhecê-lo de perto. E aqui vai, sem muito fanatismo, todo o meu respeito. E em nome do diretório municipal do Partido Comunista Brasileiro, seção São Paulo, do qual faço parte há mais de trinta anos, fica aqui o nosso sentimento profundo pela ausência do grande camarada. À Pillar Del Rio, sua viúva, companheira jornalista, que não conheço a fundo, o nosso beijo carinhoso.
A língua portuguesa está empobrecida. Mais nada.
Para um certo José,que me acolheu tão bem, com amor. E todo o nosso respeito. Até sempre, camarada.

___________

júlio


Este texto vem de Luso-Poemas
https://www.luso-poemas.net

Pode visualizá-lo seguindo este link:
https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=138008