
Cristaleira
Data 14/07/2010 19:43:55 | Tópico: Prosas Poéticas
| Tinha quatro portas de vidro sempre muito limpas. Ébano entalhado,revestida por espelhos que refletiam e duplicavam a vasta coleção de xícaras de porcelana ricamente ornadas,pequenas flores,diminutas figuras,filetes em ouro. Licoreiras,copos e copinhos,taças de várias formas,cores e tamanhos e um mundo de bibelôs. Fascinava-me a cristaleira. Território proibido. Tudo nela reluzia, cintilava. Gosto de brilho. Não do metálico brilho do ouro ou da prata mas do translúcido brilho dos cristais. Algo semelhante à água que é,para mim,o mais sensual dos elementos. Proibido ou não,houve o dia em que,sorrateiramente,abri uma das portas.Finalmente. Maria Júlia,em sua namoradeira,fazia o seu crochê. Observava sem olhar. Comecei pelas xícaras mas logo passei aos bibelôs. Enfileirava-os sobre a mesa.Explorei o território proibido sem pressa e deixei o melhor para o final. As taças cristalinas em bico de jaca,lindas! Instintivamente as punha contra a luz que entrava pela janela e me deliciava com as cores difusas por seus pequenos prismas. A sensação ao tocá-las era também de puro deleite,eram frias,frescas,pesadas. No canto da base da cristaleira,no entanto,havia um elemento estranho a todos os outros. Uma concha. Grande e bonita. Peguei-a com cuidado. Observei seus detalhes,cores e curvas. Linda. Maria Júlia sorriu - põe ao teu ouvido - disse-me. Mas...é o mar??? Como pode? É o mar!! Olhou-me por cima dos óculos com deliciosa malícia - o mar todo está aí dentro,rapariga.Ouve! Quando meus olhos brilharam mais do que os cristais,Maria Júlia morreu de rir enquanto crochetava - sonha minha neta,sonha...
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