Retrato da memória [2]

Data 16/07/2010 18:33:20 | Tópico: Textos

Enquanto houvesse vinho nas pipas, aquela alminha tão desgraçada como desgraçada era a vida que levava, nos seis meses seguintes à vindima não mais voltaria a ver as cores da sobriedade, nem que fosse só por um dia.
Volta e meia o reboliço do costume: as ofensas por nada, a gritaria, as portas a bater, a correria da pobre mulher, também ela desgraçada pela sorte que tinha, logo seguida do rebanho de filhos que fugiam assustados pelo cano da espingarda que lhes era apontada a meio da noite, assim... só porque sim!
Menos sorte teve o cão daquela vez que não fugiu a tempo e acabou prostrado no chão, abatido com um tiro certeiro saído da garganta endiabrada da espingarda do miserável dono. Quem não ganhou para o susto, foi a minha mãe que por acidente assistiu a tão macabra cena cujo choque a levou à cama.
Esfolou-o a bebedeira e temperou-o em vinha de alhos. Como um cabrito, foi a assar no dia seguinte.



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