primeira âncora
Data 20/07/2010 23:44:36 | Tópico: Poemas
| minha mãe nunca teve um livro de bebé atado com fitinhas, a madeixa do meu cabelo encaracolado numa caixa. esses artefactos espalhados nas estantes semelhantes a um bigode postiço que se desintegra lentamente ao último ninar da saudade.
minha mãe, fitou.me tantas tantas vezes ao adormecer, através dos acostumados buracos do meu berço décadas e décadas num quase suspenso cenário indeciso, a ordenarem.lhe a ficar quieta.
minha mãe nunca respondeu às quantas vezes lhe perguntei, o que fazia ali soprando cristais estando eu, a sua menina sob o vidro ao centro da redoma que tão sabia artesã soube transparecer.
minha mãe, se calhar projectava umas quantas molduras sílicas ouromentadas que hoje olho com desdém e de olhar lapidado, aqueles sombreados dos meus antigos caprichos capichados, ou aquelas perguntas bruscas sem sentido de querer. minha mãe,uma casa de absoluto no caos premeditado desprovida de ferramentas aos meus muitos quantos anos de fruta imatura que não podia possuir e que agora madura não estou certa ter.
minha mãe minha mãe
avistando para além do horizonte e das ondas um futuro a nenhuma das duas pertenceu,
a não ser a um magro presente de dois meses de doença e essas feições tão serenas sobre as minhas, e eu a fingir adormecer.
minha mãe, a minha mãe, nunca teve um livro de bébé atado com fitinhas.
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