Lobos de matilha

Data 25/07/2010 07:47:40 | Tópico: Duetos

- Demoraste a chegar. Ouvi-te entrar pé ante pé sem ruídos no soalho, nem nos batentes das janelas. Nem ouvi a chave a entrar na fechadura.

- É verdade. Do sítio de onde eu venho, há um silêncio absoluto, Nem vi as pegadas deixadas pelos lobos da montanha. Há lá uma variedade de seres que não precisam dos olhos. Quando vêm um, nunca vem só, basta um sinal que não me é ainda perceptível. Têm um espírito de entreajuda fenomenal, estes seres.


- Dizes, bem. Esse espírito de entreajuda também existe por aqui. A saber sobre os lobos de matilha: quando precisam acumular uma boa dose de força maior, enquanto seres isolados, isolam tudo o que as suas mandíbulas precisam. Os seus olhos são como faíscas incendiárias. Arrasam tudo à sua passagem. “Não fica pedra sobre pedra para contar a história”. De vez em quando, ainda se vê algum afoito na pedraria, mas logo se recolhe, pois o ruído das antenas que esses seres utilizam para estabelecerem, comunicação é ensurdecer.

- Mas isso é um ambiente grotesco. Tudo em mim é uma constatação diária, sem propósitos de atingir a especificidade das alturas indesejáveis. Tenho vertigens e muitas. Se me visses com uma destas crises, cairias estatelada no chão. De riso, talvez, ou então de medo pela constatação da hipótese, de que se num universo de dez pessoas, duas tiverem propensões para assimilar no seu olhar, este mal, tu poderás ser a próxima vítima.

- Contigo sinto-me numa posição privilegiada, se pensar que pertenço a essa tua espécie já mais avançada. Tenho dias que volto atrás no tempo, vendo-me como uma dessas lobas isoladas, que insistem no chamamento vertical, mas logo me deixo cair na minha sempre posição horizontal. Quero muito saber como vivem os lobos organizados em matilha. Ser vítima de um grupo assim desgovernado, já é um mal necessário. Não me queiras com vertigens, porque do alto vêm os variados sinais, identificando os trilhos que essa mesma matilha deve seguir

- Vou pesquisar, para saber como utilizam agora nos tempos modernos esses chamamentos. É isso. Devem ser as antenas, porque das montanhas, já chegou o Homo Sapiens, há milénios e até essas já possuem um sistema mais sofisticado, de modo a servir o espaço aéreo das novas comunicações. Há dias que nada apetece, a não ser deixar-te armadilhada nesse campo minado e monitorizado.


- Não vás ainda. Tens razão, pela minha falta de brilho. Deve ter sido das noites em branco. Tenho coisas para te falar. Comecemos então por determinar quem é quem, em matéria de amor. Não gosto dessas cenas por detrás dos espelhos. Comunicando sim, mas quero que me devolvas os meus olhos. Ainda não sabes quantos olhos tens na noite?


Epifania & Ainafipe

"Ao Espelho"


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