tinha uma fisga

Data 02/08/2010 18:59:05 | Tópico: Poemas

cheira a podre, a noite. o cínico mudo que a matou pendurou-se no alto do tempo e ladrou. a velha puta morreu. a velha puta morreu. tinha uma fisga nos dentes cariados. da língua negra saíam lentamente vermes e um bafo que entrava pelos poros das histórias. e atirava pedras negras às casas, rua acima, números ímpares, com as pernas abertas à matemática dos cemitérios. da fisga aos telhados um gosto negro de ruína onde os buracos eram bocas abertas ao pó das carnes. e cada casa era uma memória mais negra que a noite morta. cão negro a morder a sordidez do lugar. nos ossos do maxilar pendurava uivos ao desenrolar da negra estrada, que acabava num urinol com uma cruz negra em cima. três negras gralhas acompanharam o funeral pia abaixo, até desaparecerem no negro escoado. já ninguém se lembrava delas nem da puta morta. mas puta era a noite e hoje cheira a podre. todas as quartas-feiras o cão ronda em busca da noite morta com três gralhas velhas no maxilar. o cínico espera. baba-se. ainda, mudo.
cuidado, hoje é 4ª feira!!!



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