
ÁLBUM DE FAMÍLIA
Data 14/08/2010 20:26:02 | Tópico: Poemas
| Sobre o mogno escuro dos meus olhos estendo o velho álbum de fotos de família e deixo os mortos respirarem, por instantes, a luz estagnada deste entardecer.
A preto e branco, os fantasmas da memória regressam com seus fatos domingueiros, sacudindo a poeira de uma resignada ausência. As mulheres trazem sorrisos manchados de tristeza evocando o fascínio das eras de outrora sepultadas nas ruínas de uma névoa distante e, os homens, cofiando longos bigodes, conservam ainda o mesmo ar taciturno e pose viril.
Míticos rostos que perderam o dom da fala, mas que as esponjas da morte não apagaram totalmente lá nas tumbas frias e perdidas onde pernoitam. Imagens que se acendem nas lareiras da saudade, ao som melancólico de uma extinta banda de coreto, rasgando véus e teias de um esconso abismo.
Durante algum tempo, suspendo a fúria dos relógios, e deixo que os mortos, num pestanejar de cinzas, cruzem as paisagens arruinadas da manhã, recordando sua breve passagem pelo mundo; antes de recolherem de novo ao vazio enclausurado do abandono sombrio onde agora pertencem, esgotando o brilho efémero que subitamente se dilui no baque crepuscular da contracapa.
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