
ESPERANÇA DOURADA
Data 19/08/2010 18:15:07 | Tópico: Poemas -> Reflexão
| Uma carta marca de água ou testamento Arranca à brancura da folha As abertas mãos de uma verdade Que por o ser Não dói menos que o desapego ou a crença A tudo o que de material o mundo possui Para nos prender às montras Da nossa infantilidade.
Sempre vivi de tudo o que sobrou dos outros Com a alegria de quem experimenta uma novidade!
Já me convenci que a esperança É digna parceira dos que têm haveres… É um direito adquirido “do tenho”…! Mas para que haveria de querer a esperança? A esperança traz com ela a ilusão Da cenoura pendurada à frente do burro… Quanto mais corre mais se cansa… E a distância é a mesma!
Não quero ser o espelho da vossa passerelle! Não quero reproduzir as nefastas sombras pingentes Que consomem certezas no hipermercado “Doces Sonhos de Anil” Sentados à mesa da esplanada no átrio das compras! Na máquina do tempo da publicidade recolhem as ofertas Que os farão felizes sem que dêem por isso! Basta comprar! Gastar! Tudo lhes pertencerá! O mundo se prostra definitivamente aos pés! Enchem carrinhos de miragens matizes orgulhos Peitos inchados a quem passa cunho do poder económico Cartões de crédito pendurados nas orelhas como brincos Carteiras obesas de níqueis pratas e pechisbeques! Os bancos rebentam as portas de tanto tapete estendido! Gasta-se a pele de tantos apertos de mãos e sorrisos alegres Puídos que estão os fatos de tanta palmada nas costas! “O Senhor é boa pessoa! A sua honestidade é inquestionável!” Escorrem promessas de mais e mais e muito mais que mais Até o poder do convencimento da superioridade lhes servir de gola E uma coroa de louros e cravos lhes enfeitar as cabeças! Senhores do mundo que idealizam nos sofás das salas! Senhores do mundo que não se esforçam por ter!
Não quero ser nada disto! Não quero ser o contrário disto! Dos que reclamam de quem compra no hipermercado Apenas porque não têm dinheiro para o fazer! Dos que consomem a publicidade numa esquina Convencidos de que um dia poderão ter tudo aquilo e Beneficiar das fantasiosas ofertas de nada a troco da ilusão De um status adquirido pelo consumismo! Encherem carrinhos de inutilidades necessariamente úteis Para justificar o uso do cartão de crédito oferecido pelo gerente Para justificar o sei ordenado milionário! Depois do tapete vermelho puído ter sido estendido Do pó da sarna do casaco ter sido bem sacudido Do nó da gravata ter sido apertado até a língua sair da boca Os olhos arregalarem uma mistura de cifrões hipócritas A realidade endividada de um ícone de vento Presente no incumprimento de todos os incumprimentos Nenhuma mão se abrirá nenhuma oferta virá nada Apenas o refrão de “o senhor é um caloteiro desonesto!” É entoado pelos tribunais que engordam os abutres No casulo tecido na caixão de cartão das penhoras!
Nada do que sois me convence ou adorna! Levai no baú do vosso poder omnipotente e total O que resta daquilo que ainda não me tirastes! Invejaste todo o pouco que tinha e guardaste para vós Até me deixardes espoliado dos vossos dejectos! Nada do que quereis me fantasia! Nada do que desejais me alucina! Guardai para vós as vossas verdades estereotipadas!
Eu sou o que levanta a cabeça para ver o mundo E não tem mundo para ver! Sou o que quer dizer o quanto lhe dói a vossa crueldade E cala o grito de espanto! Sou aquele que deseja falar de outro caminho E desbrava a areia no deserto! Não quero as vossas sombras nos meus passos ferozes e irracionais! Não quero tapetes no lodo dos caminhos que me atolam! Não quero os gritos desesperados dos que já acordaram para a realidade vil De um mundo indiferente e ganancioso nos meus ouvidos! Não destruam as poucas pétalas que restam do jardim Onde construíram prédios de luxo e lágrimas! Deixem-me respirar um pouco desse ar poluído Que envenena de luto o meu sangue anestesiado…
Que importa o que sou? Quem sou? O que quero? O mundo que criaste e que criou para vós necessidades próprias É bem mais importante que os sentimentos Ou a noção do que é sentir, ou mesmo tentar sentir! Deleitem-se com a visão no pequeno ecrã da fortuna ilícita Dos futebolistas, banqueiros, governantes, gestores, Daqueles que nos cospem e insultam com sorrisos… Daqueles que vendem música na retrete para entretenimento pimba Fazem programas de TV banais irracionais anormais E ganham o estatuto de um “Get Set” feito à medida da mediocridade! Que escrevem livros que ninguém lê Porque as novelas degolam as horas da TV e impedem que se pense… Seja o que for pensar! O que importa é o dinheiro! Nem vil nem mau! Apenas e só o dinheiro! A quantificação daquilo que todos vocês são! Senhores dos estatutos sociais criados por medida para alguns! O que importa é o dinheiro!
Que cada nota esboce o sorriso hipócrita do vosso rosto Quando amotinado numa carteira vazia num destino vão! Que o vosso retrato amortalhe o papel colorido e malcheiroso Daquilo que vos prende à honestidade e ao supremo poder! Que os vossos desejos se manifestem na imposição repressora De quem sente que por o ter é mais que todos… Que tudo pode… porque pode mesmo! Que a vossa idiotice se manifeste num balanço de activos E lucros geridos à medida da fortuna individual!
Quanto a mim, deixai-me promulgar a luz do sol Num raio fulminante e cego No diário do meu país de fantasia…
António Casado
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