Agulha e Linha

Data 25/08/2010 19:29:36 | Tópico: Poemas -> Infantis

A Agulha e o Novelo de Linha
(Texto Pronto para Jograis)
Narradora:
Era uma vez uma agulha, que disse a um novelo de linha:

Agulha
-Por que está você com esse ar, todo cheio de si, todo enrolado, para fingir que vale alguma coisa neste mundo ?
Novelo:
-Deixe-me, senhora.
Agulha
Que o deixe? Que o deixe, por quê? Porque lhe digo que está com um ar insuportável?
Novelo
-Repito que sim, e falarei sempre que me der na cabeça.
Agulha
Que cabeça, senhor? O senhor não é alfinete…Nem cabeça tem…
Novelo
-Que lhe importa o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu. Importe-se com a sua vida e deixe a dos outros.
Agulha
-Mas você é orgulhoso.
Novelo
-Decerto que sou.
Agulha
-Mas por quê?
Novelo:
-É boa ! Porque coso com minha linha. Então os vestidos e enfeites de nossa ama, quem é que os cose, senão eu?
Agulha
-Você? Esta agora é melhor. Você que os cose? Você ignora que quem os cose sou eu, e muito eu?
Novelo
-Você fura o pano, nada mais; eu é que coso, prendo um pedaço ao outro, dou feição aos vestidos e bordados
Agulha
-Sim, mas que vale isso? Eu é que furo o pano, vou adiante, puxando por você, que vem atrás, obedecendo ao que eu faço e mando...
Novelo
-Também os batedores vão adiante do imperador.
Agulha:
-Você imperador?
Novelo
-Não digo isso. Mas a verdade é que você faz um papel subalterno, indo adiante; vai só mostrando o caminho, vai fazendo o trabalho obscuro e modesto.
Eu é que prendo com meu fio, ligo, junto... seguro..
Narradora:
Estavam nisto, quando a costureira chegou à casa da baronesa. Não sei se disse que isto se passava em casa de uma baronesa, que tinha a modista ao pé de si, para não andar atrás dela.

Chegou a costureira, pegou no pano, pegou na agulha, pegou na linha, enfiou a linha na agulha, e começou a coser. Uma e outra iam andando orgulhosas, pelo pano adiante, que era a melhor das sedas, entre os dedos da costureira, ágeis como os galgos em corrida
E dizia a agulha:
Agulha:
-Então, senhor Novelo de Linha, ainda teima no que dizia há pouco? Não repara que esta distinta costureira só se importa comigo; eu é que vou aqui entre os dedos dela, unidinha a eles, furando abaixo e acima...
Narradora:
A linha não respondia nada; ia andando. Buraco aberto pela agulha era logo enchido por ela, silenciosa e activa, como quem sabe o que faz, e não está para ouvir palavras loucas.
A agulha, vendo que ela não lhe dava resposta, calou-se também e foi andando. E era tudo silêncio na saleta de costura; não se ouvia mais que o plic-plic-plic-plic da agulha no pano. Caindo o sol, a costureira dobrou a costura para o dia seguinte; continuou ainda nesse e no outro, até que no quarto acabou a obra, e ficou esperando o baile.
Agulha:
Veio a noite do baile, e a baronesa vestiu-se. A costureira, que a ajudou a vestir-se levava a agulha espetada no peito da blusa, para dar algum ponto necessário. E enquanto compunha o vestido da bela dama, e puxava a um lado ou outro, arregaçava daqui ou dali, alisando, abotoando, acolchetando, a linha, para mofar da agulha, perguntou-lhe:
Novelo:
-Ora agora, diga-me, quem é que vai ao baile, no corpo da baronesa, fazendo parte do vestido e da elegância? Quem é que vai dançar com ministros e diplomatas, enquanto você volta para a caixinha da costureira, antes de ir para o quarto da costura? Vamos, diga lá.
Narradora
Parece que a agulha não disse nada; mas um alfinete, de cabeça grande e não menor experiência, murmurou à pobre agulha:
Alfinete:
- Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faz como eu, que não abro caminho para ninguém. Onde me espetam, fico.
Narradora:
Contei esta história a um professor de filosofia, que me disse, abanando a cabeça: -

TODOS:
-Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária!

Machado de Assis
(Adaptação de José Mota)



Este texto vem de Luso-Poemas
https://www.luso-poemas.net

Pode visualizá-lo seguindo este link:
https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=147987