DUETO BEIJA- FLOR76 & ANA MARTINS

Data 30/08/2010 20:11:00 | Tópico: Textos

Poupa-me aos teus joguinhos de palavras e aos teus clichés de algibeira rota. Preserva-me do teu ser excessivamente pensado que não se equilibra. Deixa que o teu corpo esferográfico me desenhe na pele os poemas de raiva que não escreves, e que de uma desgraçada vez deflagre em nós este desejo ferino que nos une e nos separa na intermitência fervorosa da nossa pele.
Sente-me folha de papel e silencia no meu corpo as tuas inquietações, planta no meu ventre a raiz dos teus medos e verte em mim teu raciocínio liquefeito. Se calares esses pensamentos histéricos, verás que no eco da tua insatisfação sombria resta apenas o respirar de dois corpos. Exaustos.
Este é o grito que não sabia ser capaz de rasgar. Irrompe-me pelas artérias sangue pulsante em ânsias de ti. Não me remetas à fragilidade de um vidrinho de Murano susceptível de quebrar a cada gesto teu. Sente-me. Olha-me com o enlevo a que debalde renuncias. Deixa que as tuas palavras brotem em êxtase por entre as ervas daninhas do teu desassossego.
O marasmo incipiente dos inexpressivos dias cinzentos, fenece a cada frémito de desejo que desabrocha na minha pele, e com aliviosas nuances, este torpor inesperado liberta-me das amarras do azedume que exangue vai dando tréguas aos dias que me atravessam. Não deixes que retorne à concha onde me fiz cinza e acre, e dos meus dias noites de savana sem luar.
Encara a mais premente realidade que se desnuda perante o teu olhar fugidio e inquieto: há uma mulher que acorda em mim. E com implacável disposição para pagar o preço da desilusão, para sofrer as lástimas e as penas dos sentimentos vindouros, deponho o meu escudo de indiferença e, rasgados os véus do pudor e da descrença, assumo e enfrento este querer desejoso de ti.

Não me condenes numa mecânica encravada e lancinante, emanada pela fervura vinhesca e agre das percepções, sabias-me reticente nos minados campos do douto amor, derramando em gorjeios de insegurança, toda a seiva envenenada do meu pródigo passado.
Queria tatuar-te as noites da solidão, encharcar-te os dias das incertezas, deitar-me nu e entorpecer quieto no leito morno do teu coração, apesar da dose exacerbada de passado, que me amarrava sem lamento.
Ainda sinto em mim, o eviterno desejo de me ser em ti, cruzando-te os mares da tez rosada, atracando-me de cansaço, em teu porto seguro. Este desejo exequível, irrompe impertinente, me esgaça as dúvidas sombrias do teu olhar, e pede-me que busque no teu corpo a perfeição.
Só hoje senti veemência em tua voz paulatina, abrindo portas e janelas, escancarando o meu mundo de muralhas e defesas, tombando as ameias indisciplinadas do meu casto orgulho, só hoje saboreei o brilho mais cadente e pueril do teu olhar...
Quero-te folha de papel, sim, no silêncio auspicioso de dois mundos, na consumação secreta das palavras mudas, deixa ressoar em mim o vibrar garrido do teu fértil solo, terramoto de loucura exausta na junção elementar da consumação final.
Silenciados os gritos da revolta, resta apenas o respirar isento de dúvidas entre dois corpos acabados de nascer.




Meu querido Amigo, agradeço-te este momento único de partilha. Um beijo enorme!


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