Pequenas lembranças.

Data 12/09/2010 15:27:05 | Tópico: Crónicas

Sou um velho estranho, não que me sinta velho apenas estou velho, um velho estranho como o personagem de Hemingway...alias a frase é dele... sou de uma cepa de homens duros, sobreviventes de uma seleção natural quando os avanços atuais da medicina inexistiam e sobreviviam os mais fortes, mas também fáceis de vergar pois quebrariam como se quebram os troncos que não vergam ao vento rijo da vida.De uma descendência estranha de portugueses italianos e índios, não necessariamente nesta ordem, formada e criada no que outrora era chamado novo mundo.Me agraciaram com uma face poética que enche meus olhos de lagrimas ao ver minhas filhas crianças se transformando em mulheres e mães, meus filhos moleques em homens e pais, meus netos de bebes em moleques e mocinhas, estes olhos que tanto viram mas se comovem ao ver um jovem drogado jogado na rua, criança com fome, velhos, homens e mulheres sem teto, injustiça, violência me revoltam...que se comove com a beleza seja ela de uma paisagem, mulher, musica ou texto.Vez pro outra o cenho franze e quase num transe, o médico Dr. Jenkil se transforma num monstro, pulso disparado coração na boca ira vertendo pelos lábios coisas que jamais diria, vejo o ódio apagando toda a razão da vida e esta face poética ....sou mesmo um velho estranho.Descendo esta minha amiga rua Augusta vendo minha sombra minguada quebrando-se e repondo-se ao sabor das irregularidades das sarjetas, retendo esta ingênua impressão de ser ouvido neste surdo e conturbado mundo, olhando este imenso passado e andando minhas pequenas passadas colhendo e sorvendo nelas este resto de futuro , retenho este precipitado tempo que ainda me resta, tentando deixar de ser minha maior frustração para ser minha melhor esperança.Chego a Avenida Consolação olho com carinho os prédios antigos com admiração os novos, volto em minha juventude ali no Bar Redondo, Teatro de Arena lembro uma musica de Gilberto Gil...”nascemorre” trigo, “vivemorre” pão...sei que não sou um velho balão murchando sem gás absorvido pela terra ... lembro uma frase que escrevi anos atrás...”Se um dia eu for apenas um brilho nos seus olhos ....terá valido a pena.” me comovo, a musica de Gil me deu a consciência que eu sou um grão...
Carlos Said
Inverno 2010



Este texto vem de Luso-Poemas
https://www.luso-poemas.net

Pode visualizá-lo seguindo este link:
https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=150695