Quando a gente deixa de ser criança?

Data 28/09/2010 15:30:26 | Tópico: Crónicas

Quando a gente deixa de ser criança?
by Betha Mendonça

Fui menina calma. Na vila onde eu morava não havia meninas do meu tope. Minha irmã e suas amigas - dois ou três anos mais velhas - me achavam “criança” e não permitiam que participasse de suas brincadeiras. Assim, dos sete aos doze anos, os meninos (moleques como mamãe dizia) foram meus companheiros.

Divertia-me subindo em árvores, jogando bolas de gude, espetinho, bafo, empinando pipas (papagaios aqui no norte), pira-esconde e futebol....

Era menina calma, mas propensa a acidentes. Por duas vezes rachei a cabeça. Tomei quatro pontos em cada ferimento. Uma queda de joelhos da goiabeira e mais dois pontos. No jogo de cemitério quase vou descansar pra sempre num, após uma bolada na cabeça que me deixou desacordada. As escoriações frequentes nas pernas e braços por quedas de bicicletas e outras eu nem computo aos estragos.

Meus amigos me respeitavam como igual. Eu tinha uma meia cor-de-rosa cheia de bolas de gude que “repelava” deles: “acinhos” de vários tamanhos, “balulos”... Até as cobiçadas bolinhas olhos-de-gato (eram verdes ou azuis com um centro negro)! Eles desafiavam os meninos das outras vilas para torneios com a gente só para que eu dividisse com eles os meus “ganhos”.

Era menina calma. Gostava de ler e lia. Tínhamos as Enciclopédias Tesouros da Juventude e outra que não lembro o nome. Quando enfastiava, eu ficava dias sem ir ter com meus amigos na rua. Lia e lia por dias seguidos e me imaginava nas situações... Uma delícia!

Depois a família cresceu, mudamos da vila para uma rua agitada. Fui para o colegial, 2º grau, faculdade. Constitui família. Comprava brinquedos e gibis para os meus filhos e também para minha diversão. E me divertia com eles. Depois os games de TV e computador. E me divirto com eles...

A menina calma e propensa a acidentes continua em mim a cada roxo nas canelas e entorses nos tornozelos pelos saltos altos que adoro. Creio a criança que fui não ter me deixado ou eu não a deixei ir-se de vez...

(republicação)



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