O BURRO ESCRITOR

Data 03/10/2010 10:02:49 | Tópico: Poemas -> Tristeza

Na minha infância, tinha alguém da minha família que tinha umas vinhas.
Vinhas essas tratadas com carinho, não só porque era a sua vinha, mas porque esse meu familiar era também um homem bom, de bom trato e mal grado a sua falta de cultura, ou pelo menos ela era limitada, ele gostava de ler e tinha muitos livros em casa, ver mesmo umas centenas.

Naqueles tempos não havia Televisão e a Rádio não era para todos e como no campo não havia electricidade, logo, não havia nada do género em casa.
Mas gostava de ler e depois do trabalho e depois de jantar, lá estava ele agarrado aos livros até tarde.
Tinha poucas possibilidades financeiras. Comprar livros era um problema, só comprava de ocasião.
E como tinha muitos livros em casa teve uma ideia luminosa.
-Ora, eu tenho um burro, se tenho um burro ele não serve só para levar o trigo ao moinho nem só para trazer a farinha, ela pode ter outra utilidade.

Como era uma pessoa afável, nunca fez mal a animal nenhum. Tinha cães e gatos, acariciava-os, falava com eles, tal qual como fazia com o burro.
O burro, castanho, ainda me lembro, chamava-se Louro mas era mesmo burro, teimoso como não havia dois, mas o dono era muito paciente para com o Louro, como o era também para com as pessoas.
-Ó Augusto, não deixes o burro fazer sempre o que ele quer, dá-lhe uma chibatadas no traseiro, dizia-lhe a mãe, tu o deixas fazer tudo o que ele quer e um dia vais ter problemas, sou eu que te digo.
-Mas não, minha mãe, os animais são como as pessoas, uns melhores e outros piores e não é por lhes bater que conseguimos os levar pelo bom caminho. Na verdade, ele até lhe falava à orelha, mas o burro olhava para ele de soslaio, como quem dizia: fala, fala, eu faço o que quero e como quero, não vens agora tu me dares lições e zás, uma parelha de coices e era sempre assim, sempre que o dono lhe dava uma ordem, pimba, uma parelha de coices.

A ideia do Augusto não era má, pensou que podia bem carregar o burro de livros e ir ao domingo em vila para vender os velhos livros os quais já tinham sido lido e relidos e poderia assim comprar outros ou até os trocar.

Preparou os livros, meteu-os em sacos e os sacos sobre o Louro que não aceitou muito bem e pensava. Que vão dizer as pessoas quando virem um burro carregado de livros....

Mas lá foi. O Augusto o guiava, de cada vez que ele lhe dava uma ordem, saía um par de coices.
Antes de chegar à vila, o Augusto e o Louro, cruzaram-se com um grupo de pessoas amigas que vinham da feira.
-Bom dia Augusto!
-Bom dia os amigos:
~Eh pá...carregas-te o teu burro de livros, até parece um doutor ou será um escritor?
Todos riram às gargalhadas
Mas o Louro não gostou nada da brincadeira e deu às de vila Diogo.
O Augusto corria atrás dele, o Louro corria, coice para aqui, coice para lá, e de repente lá se vai o Louro. Caiu num ribanceira e quando o Augusto e os amigos chegaram, já o Louro tinha dado último suspiro
O Augusto chorava, os amigos tentavam lhe dar coragem, nas o mal estava feito.
-Pois é! Disse um dos jovens gozando com a situação, levas logo ao domingo de manhã para a vila um burro carregado de livros e vê lá o resultado, o burro escritor, ou lá o que ele parecia e morreu.

A. da fonseca


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