Canção (Cecília Meireles)

Data 06/10/2010 11:54:36 | Tópico: Poemas -> Reflexão

Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar

Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...

Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.



* Cecília Meireles (1901-1964), poetisa, professora, pedagoga e jornalista, cuja poesia lírica e altamente personalista, freqüentemente simples na forma mas contendo imagens e simbolismos complexos, deu a ela importante posição na literatura brasileira do século XX.



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