
Um despertar (Octávio Paz)
Data 09/10/2010 22:19:07 | Tópico: Poemas -> Surrealistas
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Estava emparedado dentro de um sonho, Seus muros não tinham consistência Nem peso: seu vazio era seu peso. Os muros eram horas e as horas Fixo e acumulado pesar. O tempo dessas horas não era tempo.
Saltei por uma fenda: às quatro Deste mundo. O quarto era meu quarto E em cada coisa estava meu fantasma. Eu não estava. Olhei pela janela: Sob a luz elétrica nem uma viva alma. Reflexos na vela, neve suja, Casas e carros adormecidos, a insônia De uma lâmpada, o carvalho que fala solitário, O vento e suas navalhas, a escritura Das constelações, ilegíveis.
Em si mesmas as coisas se abismavam E meus olhos de carne as viam Oprimidas de estar, realidades Despojadas de seus nomes. Meus dois olhos Eram almas penadas pelo mundo. Na rua vazia a presença Passava sem passar, desvanecida Em suas formas, fixa em suas mudanças, E em volta casas, carvalhos, neve, tempo. Vida e morte fluíam confundidas.
Olhar desabitado, a presença Com os olhos de nada me fitava: Véu de reflexos sobre precipícios. Olhei para dentro: o quarto era meu quarto E eu não estava. A ele nada falta - sempre fiel a si, jamais o mesmo - ainda que nós já não estejamos... Fora contudo indecisas, claridades: a Alba entre confusos telhados. E as constelações que se apagavam.
Octávio Paz, poeta mexicano, poema traduzido por Antônio Moura.
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