Sob epígrafe de Vitorino Nemésio

Data 10/10/2010 09:47:01 | Tópico: Poemas

De quando em quando junto as recordações para morrer

Vitorino Nemésio

1.

em certo dia de outubro
trouxe a dor à minha mãe
se era dor na face o rubro
rubro era o sonho também

2.

troquei cromos berlindes e até tive
carros de rolamentos namoradas
tantas quantas no bolso os rebuçados
e até confesso aqui a caça aos grilos
e os custelos as figas o saltar
dos muros o roubar da fruta digo
das cabeças partidas dos joelhos
esfarrapados tudo num sorriso
por tudo isso eu digo sem temor
que fui uma criança bem feliz

3.

há molduras que me chamam
que me acordam na noite de um poema
poema filho poema filha
onde a palavra pai poeta diz-se
com a vaidade pura de não ter
palavras para erguer que seja um verso
um só verso capaz
de ser sombra reflexo vestígio
apenas isso
desse mor poema filho
desse mor poema filha

4.

trago a enxada com que cavo
dia-a-dia a minha cova
e trago o rio onde lavo
o sal do mar numa trova

e se mais em mim trouxer
que então seja o que vivi
porque só do mais que houver
quero a terra onde nasci

Xavier Zarco



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