candela.um

Data 24/10/2010 22:18:57 | Tópico: Textos


Desde que chegara da escola, ainda não tinha manifestado algum tipo de expressão que lhe era habitual. Dava a impressão de estar absorto, entre aquelas mãos delicadas de menino, em que os dedos mergulhavam nos cabelos escuros, num qualquer outro universo que não fosse o seu quarto com as paredes forradas em tom azul céu.
Na cozinha, a mãe preparava o jantar com o avental desajeitado e um sorriso nos lábios ao recordar o peculiar episódio que ocorrera naquela manhã de Inverno, em que um desconhecido lhe havia oferecido um lugar sentado no comboio e lhe murmurara que ela era um anjo caído do céu.
Assim que o jantar ficou pronto, dirigiu-se ao quarto do seu menino e estranhou o silêncio que se fazia sentir à medida que ia atravessando o corredor. Lentamente, a mão rodou a maçaneta da porta e o olhar quedou-se sobre a nuvem de apatia que envolvia o pequeno João. Aproximou-se do filho e sentou-se no chão, mesmo ao seu lado. Afagou-lhe ternamente os cabelos e, num tom de voz maternal, beijou-lhe a face.
- O que te preocupa João?
- Oh! Mamã o que faz o Papá?
Aquela pergunta, feita de forma tão pura e inocente, assim de surpresa, trespassou-lhe por completo o ventre e o peito, e aos olhos as lágrimas prontamente deslizaram como as águas cristalinas ao leito do rio. Após um breve momento que pareceu prolongar-se pela eternidade, inspirou bem profundo e, como se os ponteiros do tempo tivessem regressado ao passado, expirou um longo suspiro, em carne viva, apertando com toda a força que possuía o franzino corpo do seu filho contra o seu.





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