Ao Poeta Indiano Bhartrihari (Hermann Hesse)

Data 03/11/2010 12:17:13 | Tópico: Poemas -> Dedicatória

Igual a ti, ancestre e irmão, também vou eu
entre o espírito e o instinto, em zigue-zague:
hoje sábio, doido amanhã, hoje de todo
entregue a Deus, amanhã ao ardor da carne.

Com ambos os açoites vou me flagelando
em sangue os costados: volúpia e penitência
- monge ou estróina, pensador ou bestial.

A culpa do existir em mim pede perdão.
Hei de pagar pecados em ambos caminhos,
em ambos fogos ardendo me aniquilar.

Os que me veneravam ontem como santo,
hoje em mim vêem um perdido libertino;
os que comigo chafurdavam na sarjeta
ontem, hoje me vêem jejuar e orar;
e todos cospem de lado e fogem de mim
- o amante falso, sem decoro e dignidade.

Em minha coroa de espinhos eu também
trago, entre as rosas rubras, a flor do desdém.

Hipócrita palmilho um mundo de aparências,
malquisto por vós e por mim, para as crianças
um monstro – e sei que qualquer ação, vossa ou minha,
perante Deus pesa menos que o pó ao vento.
E sei mais: nesta senda inglória de pecado
me sopra o bafo de Deus e eu devo agüentá-lo,
devo abusar – cada vez mais culpado, no êxtase
do prazer ou na proscrição dos meus malfeitos.

Qual o sentido desta agitação, não sei:
com as imundas e perversas mãos esfrego
o pó e o sangue do meu rosto – e bem ou mal
este caminho hei de levar até o final.

Hermann Hesse, poeta e escritor alemão, In: “Consolo da Noite”, 1929.





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