As três irmãzinhas

Data 16/11/2010 15:13:25 | Tópico: Crónicas

Andou no seminário e graças a Deus que deixou o curso a meio, caso contrário, hoje estaria vendendo missas ao preço da monarquia.

Deixou porque se apaixonou pela Lolita, a mais nova de três irmãs, uma comunista de primeira e que passava tardes inteiras a pintar panfletos insultuosos contra o regime.
O Bilinho adorava esse seu lado de querer partir tudo, de num grito estourar os miolos a meia dúzia de novos riquenhos que exibiam os seus Bentleys em plena avenida.

Depois à noite, na cama dos dois, era outra a conversa, de leoa acesa e feroz e compulsiva e imaginativa passava a gatinha obediente e meiga e etecétera e tal. E foi por assim dizer que deixou a sua vocação de lado. Trocou a batina por uns jeans esfarrapados, as leituras sagradas pelo Marx. O celibato foi-se.

Mudou de rezas mas não acertou no totoloto. Sim, nem tudo são favas contadas.
A Lolita tinha uns ataques a meio da noite, sonhava com revoluções e com assaltos ao arranha-céus, e esperneava como uma louca em estado avançado.
Depois acalmava e exigia que fizessem amor sem lógica nem devoção até caírem para o lado, de exaustos. No dia seguinte ficava branca de lembranças e, vendo-se nua, perguntava-lhe em estereofonia arrepiante, o que é que ele lhe tinha feito. O esquecimento dela fazia o Bilinho sentir-se um aproveitador. Mais ou menos isto. Não sabe. O que sabe é que tudo estava encaminhado no sentido de se enlaçarem matrimonialmente quando, um dia, um outro dia, conheceu a irmã dela, a do meio, uma piolha linda como o sol do meio-dia, também ela acabadinha de sair da puberdade, fresca como uma tangera, pescoço alto onde nenhum dente foi lá morder ou tirar medida.

Seu nome é Melissa, mais conhecida por Mel. Até nisso o nome cabia-lhe que nem uma luva, pois de mel era todo seu corpo na sua colmeia. Quando a viu, de cabelos ao vento, saia curta a mostrar que o que é bom é para se ver, em cima de uns tacões altos, ó ó, a sua honestidade foi-se, como quem diz, passou a desejá-la lá no seu íntimo, como um fruto proibido. Ainda por cima, deu-lhe bola, sorrindo para ele com os seus dentes alinhados, ao contrário dos seus.

Houve ali qualquer coisa que não sabe se foi Cúpido ou não. Fosse quem fosse, lançou sobre eles as melhores intenções.
E como de intenções anda o mundo cheio, passaram aos factos e actos.
Era sim uma musa com todos os predicados que o punha sujeito ao verbo enlouquecer.

O problema é que em tudo na vida existe um senão. Neste caso um senão maldito que até há vergonha em contar. Mas pronto aqui vai. É que a Mel, apesar de poderosa na sua beleza, tinha um quê: largava-se muito. Não sei se estão a entender.
Ó pá, dava umas farpas valentes que o até ouvido do Bilinho dava rodopios e que inclusive durante dias passou a usar algodão nas orelhas. Aquilo parecia castanhas a estourar no forno!

Ainda por cima era sempre no momento em que. Sim, a Melissa peidava-se! Isso desconcentrava-o bué, e caía do ponto alto do entusiasmo tal como um fruto cai na terra. Não sabia como acontecia, mas que acontecia, acontecia. A sua vontade era de pôr-lhe uma rolha, mas, em vez disso, foi confessar-se à mais velha das irmãs, contar-lhe os seus azares quando, na primeira troca de olhos, logo viu que era tanto ou mais pecadora do que ele, daquelas que é só alçar a perna.

A Becas, uma maria-papoila de traços morenos, sobrancelhas milimetricamente desenhadas, lábios enchidos a silicone, nariz mudado, adepta do botox, extensões no cabelo, tatuada no fundo das costas. Só em mamas é que sai ao pai.
Enfim, uma beleza artificial mas que na realidade dava vontade de explorar a fundo, tipo um mineiro de corpos. A Becas, em cada vinte minutos falava dezanove. Gostava muito de conversar e saber coisas.

A verdade é uma, entre eles silêncio não havia, nem quando uniam joelhos. A quarentona era um autêntico papagaio mal amestrado. Só falava de beleza e de cosméticas e de melhoramentos faciais e de peles no pescoço e do raio que a parta! Becas, cala-te! Aquele zumbido a toda a hora deu cabo do seu non sense.

A esta altura, o Bilinho de religioso já não tinha nada. Era um talibã com vontade de a esganar. Cala-te Becas! E a Becas sempre a falar, a palrear. Resultado: deixou-a a falar sozinha. Acho que ela nem deu por nada, mas pronto. ~

Nos caminhos da sua solidão pensou: esta família está possuída! Então quis saber a raiz do mal, o gene da coisa. Foi à casa das três irmãzinhas falar com a mãe delas. Depois de entrar, eis que a viu: a dona Micas, sessenta anos às costas, cara honesta, um luto inimaginável, certamente repleta de teias de aranha lá na luz de Vénus. Ao saber das suas mágoas, a matriarca ofereceu-lhe o seu colo. O Bilinho aceitou isso como quem nos oferece um copo de vinho de bom grado, mas não foi por muito tempo, apenas o tempo de sentir um pau a crescer lá para os lados do traseiro-ganga e a verdadeira dona Micas entrar de rompante, quebrar a cena, e dizer: ó home, lá tás tu outra vez a brincar aos carnavais!



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