
A RESPEITO DE MENOTTI DEL PICCHIA
Data 18/11/2010 18:51:55 | Tópico: Poemas
| Conheci Menotti já passado dos oitenta, por dever profissional. Autor de um clássico da literatura brasileira, Juca Mulato, era o último remanescente da Semana de Arte Moderna de 1922. Morava num solar na avenida Brasil, esquina com a Rebouças, a poucos metros de onde a sucursal paulista da revista Manchete se instalara, depois que saímos da avenida Europa, por ocasião da casa, um dos imóveis mais suntuosos de São Paulo, ter sido vendida a peso de ouro. Mas isso não vem ao caso. Em frente à casa onde Menotti morava havia - e há até hoje - uma pequena praça, com um busto esculpido em bronze de sua mulher, a pianista Antonieta Rudge, onde o poeta ia colocar flores todas as tardes. Após a morte de Antonieta, Menotti esclerosou de vez. Mas sempre amparado pela enteada, dona Helena, filha de Antonieta e de Charles Miller, o homem que trouxe o futebol para o Brasil. Dona Helena era uma aristrocrata, ao contrário do poeta que adorava peidar na sala, pensando que ninguém ouvisse.Bem verdade, Menotti já estava surdo. Mas aos oitenta anos a gente pode tudo. Menotti, já na casa dos noventa, perdera a noção do tempo. Com a desaprovação de dona Helena, todas às sextas-feiras eu saía da redação da Manchete, no fim da tarde, e ia buscá-lo. Atravessava com ele a complicadíssima avenida Rebouças, com seu trânsito infernal, para levá-lo à uma padaria, na rua Pinheiros. Ali, o poeta, pintor, escultor e jornalista, bebia comigo uma dose de uísque e fumava. Dona Helena, que hoje já deve também descansar no céu, ralhava comigo: - Mas ele não pode - dizia. E eu retrucava: - Aos noventa anos a gente pode tudo. Um dia Menotti me deu um livro seu, documento que não abro mão nunca. Além do autógrafo, fez a caneta bic um auto-retrato. Pouco tempo depois, fui ao seu velório, no salão nobre da Academia Paulista de Letras. Lembrei-me dele contando dos seus amigos modernistas de 1922. Falava-me de todos. E apontando para um dos quadros que pintou, mostrou-me o poeta Guilherme de Almeida: - Você tem visto o Guilherme? É um grande sonetista. Eu nunca vi Guilherme de Almeida na minha vida. Mas Menotti achava que eu tinha visto. A idade tem essas coisas. Na hora que lhe fecharam o caixão, a escritora Lygia Fagundes Telles se deitou no meu ombro e disse: - Era um fidalgo. Eu concordei e disse comigo: - Mas você não ouviu os peidos na biblioteca.
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júlio
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