MEUS SONETOS VOLUME 034
Data 29/11/2010 06:40:30 | Tópico: Sonetos
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As lágrimas de Júpiter alagam Desertos sem Oásis, oceanos... Salgando a fantasia, matam planos, E a morte dos sentidos; vêm e afagam.
Por sádicas palavras que nos dragam, Dissídios entre vermes quase humanos, Soturna melodia, sons insanos, Impedem que esperanças, bens nos tragam.
E as sombras dos meus passos se perdendo, Navego sobre os restos, que, vulcânicos, Espalham incontidos, falsos pânicos,
Gerando a tempestade que, vencendo, Derruba sobre os sonhos, a salina, Que aos poucos, tal paisagem já domina...
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As lágrimas perdidas sem sentido Adiam tão somente o gran finale, Por mais que o sentimento não se cale, O tempo que sonhamos, mal vivido.
Tu dizes que em palavras eu te agrido, Não tendo uma alegria que regale O que fazer do riso? Penso em Bali, Talvez ainda seja divertido...
Metáforas à parte bebo o raio E logo após, tão bêbado já caio Fazendo da sarjeta cama e leito.
Queimadas que me deste como herança Mataram qualquer forma de esperança Criando o descampado no meu peito.
3
As lágrimas procuram pela foz Depois de conhecerem mil cascatas As horas solitárias, inexatas Falando assim da dor que existe em nós.
Não quero a poesia como algoz, Sequer isolamento destas matas, Só peço, meu amor, que enfim reatas Com muito mais firmeza nossos nós.
Silêncio perturbando o nosso sono, Sentindo com terror este abandono Jamais conseguiremos ser felizes.
Por isso, companheira; aqui te espero, O olhar da solidão, terrível fero, Realça as mais antigas cicatrizes...
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As lágrimas que descem de teus olhos Evaporando em nuvens, com certeza, Aguando as flores, gramas, os abrolhos, Descendo pelo rio em correnteza
Serão colhidas, rosas, nestes molhos Nos vasos, salas, quartos, com beleza, Abrindo e libertando dos ferrolhos Encantando-nos, postas sobre a mesa.
Das lágrimas às rosas transmudadas, A vida nos permite ter, de fato, O sonho feito em gnomos, deuses, fadas,
Por isso não permita que o regato Se seque, pois assim, nossa emoção Jamais regalará um coração...
5
As lágrimas refletem, cristalinas, As dores que transitam pelo peito... Tristezas, tantas vezes, descortinas; Como é que posso estar mais satisfeito,
Se nas mágoas te perdes, alucinas... Não esqueçamos nunca do direito À tal felicidade. Nas esquinas, Nas curvas do caminho, dá-se um jeito.
Mas não se perca amiga, a vida segue... Os dias modificam com a brisa. Não temas a dor, não mais a negue.
A morte não se apressa nem avisa. A sorte é fugidia, então a pegue; D’amores e saudades, se precisa...
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As lembranças dum tempo feliz, belo; São os restos, mortalhas que carrego. Quando a noite, feroz, vem logo nego, Tentando reformar o meu castelo...
Minhas dores, sangradas num cutelo, São os mares, distantes, que navego... Os meus sonhos, mentiras que eu emprego, Catástrofes, reviro com o rastelo...
Alamedas perdidas no passado, São vielas, favelas, sina, fado... Minha alma sifilítica definha...
Arrasto meus tormentos pela rua. Minha esperança morta, vive nua... A decadência mórbida s’ aninha...
7
As longas e bonitas cabeleiras, Que ao vento desfraldadas, mansas, vão. Fazendo em meu olhar, revolução, Quais fossem destes sonhos, as bandeiras.
Palavras que me dizes, feiticeiras, Em tórridas vontades, sedução. Abrindo transbordando o coração Não têm mais limites ou fronteiras.
Ao mitigar a dor de uma saudade, Abençoadamente, regozijo. A tempestade feita de granizo
Distante, não mais cai em meu telhado, Amor que tanto eu quis, digo a verdade, Invade e deixa o tempo apascentado...
8
As luas que entre fases se renovam, Do amor que tanto sinto, testemunhas, Nos versos mais perfeitos que compunhas Os velhos sentimentos se comprovam.
Enquanto dos teus lábios, os meus provam As luzes destas luas tu já punhas No gozo do prazer que cedo empunhas Momentos que os desejos sempre aprovam.
E fazem com que o tempo seja amigo, Sabendo deste encanto que persigo Eu tenho em minhas mãos esta certeza
De ser além de simples sonhador Um homem que se sabe vencedor, Colhendo em cada olhar, tanta beleza...
9
As luas se encontrando em pleno sol Amor que me divide, sem perdão. Brincando, maltratando o coração Vai dicotomizando meu farol.
De um lado dessa lua, um girassol Perdido, se encantando na amplidão Do brilho dessa lua, uma atração Que faz com que ele pense ser o sol.
As águas mais macias, desse rio, Refletem outra lua, novo cio, Pobre sol, solitário fica louco.
Buscando tresloucado seu destino. Do brilho dessas luas, desatino, O sol já vai morrendo, pouco a pouco...
10
As luzes do futuro já me esperam Por mais que as trevas andem por aqui, Vestindo esta esperança eu me perdi Enquanto os meus caminhos destemperam
E colho estes fantasmas que se geram Dos medos revividos. Chego a ti, Devoro o que deveras conheci E os sais de tua boca me temperam...
Sarcástica ilusão abandonada, Expondo num tormento o coração Que um dia imaginou além do nada,
Fartando-se do sonho. Sigo em vão. E quando recomeça a madrugada Aguardo inutilmente a viração...
11
As luzes irradiam, cortesãs, Chamando para a dança e pro festejo As horas que se foram, tolas, vãs, Agora vão entregues ao desejo
De ter tua nudez em minha pele, Acesas as vontades que revelas, Ao fogo do teu corpo amor compele Meu barco se perdendo, insanas velas.
Soprando sobre nós o minuano, Guardando na guaiaca teu sorriso, O tempo é rei, deveras soberano, Mas sabe decifrar quanto é preciso
A quem se faz eterno navegante Chegar ao infinito num instante...
12
As luzes na cidade vão sumindo, Deixando simples rastros na calçada Um dia prometido, outrora lindo, Refaz um novo brilho em alvorada.
Teu nome, o coração vai repetindo, Estribilho somente sem mais nada, O dia que em teus olhos vem surgindo Na luz de um belo sol, fonte adorada
De toda a plenitude de um calor Que possa renascer em meu desejo, Viver a magnitude deste amor
Que sopra um doce vento benfazejo. Felicidade em sonho encantador, Precisa, na verdade de traquejo...
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As luzes que conduzem nossos sonhos, Reluzem belos dias, alvorada... Nas horas mais felizes, dessa estrada, O riso, os rios, ritos tão risonhos,
Os olhos, óleos bentos... São bisonhos Os medos, a sombria madrugada, As lendas, todo trauma alma penada, Muita vez, pesadelos mais medonhos...
Harpas, anjos correndo livres, paz.. Num segundo, seu mundo, é bem capaz De transformar delírio em realidade...
Fantasias, brinquedos, melodia, Faz amanhecer, sempre, um novo dia... Deixando, fatalmente, esta saudade...
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As luzes que virão já se antecipam Ao dia que decerto nascerá, Podando as dores várias que se extirpam Enquanto o sacro amor florescerá.
Erguendo ao bem supremo um monumento Que é feito em gozo imenso ao bel prazer. A vida traz em si o suprimento Que ajuda-nos em paz, sobreviver.
Algozes de nós mesmos, tantas vezes, Mortalhas que tecemos da esperança, Durante dias, horas, anos, meses Buscando, inutilmente, a temperança
Cevamos medos, trevas, solidão. Porém vislumbro sóis nesta amplidão...
15
As mágoas fossem águas deste rio Que desce em cachoeiras e cascatas, Vencendo a tempestade quer estio E goza em profusão adentra as matas. A natureza mostra insano cio Em luas seminuas plenas pratas.
Abençoados sonhos de um jardim Em meio a belas rosas cultivado, O quanto que já fui voltando assim, Ao perceber amor bem demarcado Fazendo no meu peito tal festim Que eu penso que jamais fui magoado.
Morena, com certeza os belos seios Redimem a tristeza e meus receios...
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As mágoas que carregas no teu peito, Derramam tantas águas; lacrimejas. A lua quando invade o nosso leito Espalha os belos lumes que desejas.
Não deixe que a tristeza te domine, Perceba quanto eu quero o teu sorriso. Por mais que a realidade desatine, O sonho é necessário e tão preciso.
Teus olhos são espelhos de tua alma, Encontre nos meus versos um alento. Se a poesia, amada, já te acalma, Decerto a fantasia é bom ungüento.
Olhando para o céu veja a tiara De estrelas que, ternura ora declara...
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As mágoas que deixaram tais horrores, Profundas cicatrizes no meu peito, Ainda se percebem no direito De não deixarem mais surgir tais flores
Que um dia num canteiro, satisfeito, Plantei, leda ilusão, nos derredores Das duras fantasias, seus albores No aborto de emoções, perdendo o leito
Um rio que seguia para a foz, Deixando para trás pequeno arroio Aonde a fonte morta em sonho atroz
Recebe inda um gotejo que em verdade Permite respirar em calmo apoio Que é dado tão somente em amizade...
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As mágoas; coleciono. E os dias desgraçados Arrastam-se por fim. Um sonho que eu tivera De um mundo mais feliz, gozos abençoados Morrendo pouco a pouco, impedem primavera.
Distante do que eu quis – a vida é dura fera Quem dera se tivesse um rumo em novos fados. Porém de nada vale angústia desta espera Jamais irei saber de novos, belos prados...
Em lástimas traduzo o quanto que te quis. O quanto que lutara, e nunca fui feliz... Vagando pelo mundo, ausência de esperança.
A dor por companhia, um resto de ilusão A noite chega fria e traz em solidão O espelho de minha alma: apenas a lembrança...
19
As manchas de batom já denunciam A noite que tivemos, meu amor... Mais do que palavras anunciam, Prenúncios repetidos, tanto ardor...
A boca que me deste, carmesim, Os beijos que te dei, nosso prazer. O mundo está guardado todo em mim. Sorvendo tanto amor, quero viver...
A noite que virá, por certo, louca; Trará de novo, tanta fantasia... Beijando mansamente tua boca, Vivendo nosso amor, uma alegria...
Amar é mais que tudo, um belo dom; Guardado nestas marcas de batom...
20
As manhas e manhãs que amor desvenda Maçãs em corpos nus, deliciosas. O coração mineiro não se emenda E ceva com ternura belas rosas.
O amor que dominou a minha agenda Permite noites claras, fabulosas, Fazendo da alegria nossa tenda Regozijando então conforme gozas.
Selando nosso caso com carícias, Não quero ler mais o jornal, notícias Que trazem não me importam, valem nada.
Apenas novidades quero em ti, No livro que deveras tanto li, A história muitas vezes bem contada...
21
As manhãs que virão; abandonadas, Estrias que minha alma já fomenta, Meu verso em pura insânia violenta Espalha meus pedaços nas calçadas.
Expresso com palavras demarcadas O quanto necessito e nada venta, Toando em meus ouvidos tal tormenta Adentra pelas portas destroçadas.
Um mar que cultivei no pensamento Distante se calando já sem vento, Buscando uma alegria em vendavais.
Do quanto que pensara no começo, Após o meu caminho vir do avesso, Apenas sou um resto e nada mais.
22
As mãos desta mulher, princesa e fada Um porto prometido, um bom descanso, Viagem pela pele desnudada, Depois da plenitude, este remanso A noite vai passando, a madrugada, O gozo mais sublime, enfim, alcanço.
Um velho caminheiro agora traz Sorriso engalanado e sabe a sorte. Do quanto amor se mostra então capaz, Deitando neste cais, um pleno aporte Do sonho que se fez teso e voraz, Penetra sem defesas, ganha o Forte.
Quem sabe com destreza navegar, Procura nos teus braços descansar.
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As mãos esparramadas nas calçadas, Nos clãs quatrocentões podres ignaros... As vestes dos mendigos já queimadas, Nos risos idiotas vermes raros,
Nos bicos dessas gralhas desvairadas, Paulicéias dementes, seus amparos... Sanguíneas remendas demonstradas, Os preços que pagamos são bem caros... (Os roubos dessas aves amestradas...)
As mãos acorrentadas das crianças, Os vermes trafegando seus palácios... Matando quaisquer sombras de esperanças,
Tantos sonhos submissos de crustáceos, Esquecem que deixaram nas lembranças, Marcas de suas garras, suas panças...
24
As mãos que preparavam armadilhas, Os olhos espiando numa espreita Tentando adivinhar caminhos, trilhas O sonho amenizando enquanto deita
Buscando paraísos, maravilhas, Nas gretas entre nuvens se deleita. Cometas entre estrelas andarilhas A febre da esperança, uma maleita
Queimando os olhos frágeis da criança, Ausência se tornando uma lembrança Retrato na gaveta dos meus sonhos.
A boca que hoje beijo traz assim O cheiro que guardado dentro em mim Prometia momentos mais risonhos...
25
As mãos que procuraram por carinho Esquecidas na prece que sonega O desejo premente de outro ninho, Não sabem quando o medo se encarrega
Dos passos na maldita procissão, Amortalhando um sonho- ser feliz. Devoram o que resta da emoção Olhares vão vidrados. São zumbis...
Pelos amores; jogadas nos esgotos Expostas aos prazeres roedores, Distantes, cada vez bem mais remotos Desfilam com soberba, os seus amores.
E as mãos tão calejadas e vazias, Afagam as miragens mortas, frias...
26
As mãos que se procuram e incendeiam Veredas que descubro noite afora, As sendas que percorro sem demora, Delírios que os desejos, sempre ateiam.
Meus olhos por teu corpo já vagueiam Encontram cada porto que decora Na flama que magnífica se aflora Enquanto estes delírios nos permeiam.
Ebulições, archotes, brasa e chama, O amor ao perpetrar divina trama Nos chama para a festa em fogo e gozo.
Viver o que tivermos sem limites, Audazes os caminhos que permites Trazendo amanhecer maravilhoso...
27
As mãos que se procuram em passeios Por sobre os corpos loucos e sedentos, Sentindo intumescidos os teus seios Prometem mil desejos, violentos.
Não tendo, na viagem, mais receios Exploram-se divinos sentimentos, De todos os temores vão alheios Os lábios ao cumprirem seus intentos.
Num leque de caminhos, sei as senhas Moleque coração ateia às lenhas A brasa que incendeia noite afora.
Fogaréus irradias sobre mim, Viagem que se faz assim, sem fim, Caminhos que o prazer, insano, explora...
28
As mãos que se procuram, clandestinas, Derramam seus desejos pelos dedos. As águas que escorrendo, cristalinas, Expondo pelas ruas, meus segredos.
Tu tocas mansamente e me dominas, Provocas entretanto tantos medos. Beber de tuas fontes, doces minas, Criando novamente meus enredos...
Amar além de tudo, risco pleno, Sangrando em mil desculpas os engodos, As pérolas criadas nestes lodos,
Sorvendo calmamente o teu veneno. Nos ápices dos gozos sensuais, As mãos que se procuram, querem mais...
29
As mãos que te consolam também levam As mesmas sensações de inadimplência. Mas são tão calejadas que relevam, Sabendo que é preciso complacência...
Eu não carrego mágoas, pesam tanto. Amigo; te aconselho a ser mais franco. Amor, depois que perde seu encanto; Sangria que nem sempre eu mesmo estanco.
Por isso estou aqui, meu camarada; Nas vezes que sofri, tive teu braço. Agora que esta noite vai nublada, Os passos cambaleiam de cansaço...
Amigo, nunca apague tua luz, Pois o seu próprio facho, te conduz...
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As mãos seguem vazias, nada pedem, Esperam tão somente por milagres. Dos sonhos que já tive, as bases cedem Meus vinhos se transformam em vinagres.
A carne se esvaindo em tantas rugas, A porta se fechando a cada dia. Impossibilitando minhas fugas, Amordaçando a voz da poesia.
Catando o que restara, assim de mim, Encontro meus escombros nas caladas. Não tendo primavera em meu jardim, As roupas da esperança estão mofadas.
O riso em ironia de um canalha, Tomando a minha senda já se espalha...
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As mãos tão delicadas, de pelúcia, Carícias que prometem, de delícias... As mãos que me acarinham com argúcia Meus olhos reagindo com malícia...
Sevícias deste amor sem amarguras, Agruras e ternuras superpostas, Escorrem mansamente tais branduras Descendo levemente nuca e costas...
Expostas às totais felicidades, Nas mãos que te percorrem, fantasias; Aos poucos construindo claridades, Em meio a tempestades de alegrias...
Eu quero tua mão tão delicada, Escreve meu futuro, assim, amada...
32
As marcas dos amores nos lençóis, Ficaram, são guardadas com carinho. Depois de tanto tempo, tantos sóis, Espero que tu voltes de mansinho,
Brilhando com a força de faróis, Voltando como um pássaro ao seu ninho, Trazendo a claridade aos arrebóis Em florescência rara este caminho
Portando em suas margens, liberdade Matando, com certeza, esta saudade Deixando a sensação de eterno abrigo.
Depois de caminhar o tempo inteiro, Um andarilho feito prisioneiro Eu quero te sentir junto comigo,
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As marcas dos amores, altaneiras. Esguias criaturas buscam glória.. Quem sabe suas sagas verdadeiras, Declinará seu asco na memória..
Nos máximos dos montes, as ombreiras, Resquício polvilhado desta história. As horas mais venais, horas primeiras, Encontram criaturas vãs: escória!
Nos estandartes tolos, a dura haste Estorvo e negação, guerras insanas... Amores, violência, num contraste,
Trazendo os pavilhões em decadência. As podres criaturas são baganas, Dissimuladas, fingem inocência...
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As mariposas rondam luz e sala A bala que perdeu-se faz morada No colo de quem tanto não diz nada Enquanto sem defesas já se cala.
Canhestra realidade, torpe fala Da morte quase sempre anunciada A carne apodrecida e destroçada Infesta com certeza a podre vala.
Esgoto uma esperança, moça velha, No rosto em decadência que se espelha No breve crocitar, qualquer estorvo.
Os olhos carcomidos da pantera, A boca da amizade nada espera Senão um beijo amargo deste corvo...
35
As matas destruídas, mortos sonhos, O solo se tomando em aridez. O quanto desta vida se desfez Em ritos de ganância tão medonhos.
Cenários de agonia, mais tristonhos, A Terra desnudando a sua tez, Somente o que restou: tanta avidez, Matando os velhos prados, bons, risonhos.
Nas mãos deste terrível predador, Invés de uma esperança, só pavor, Imagem destruindo a semelhança.
As águas cristalinas deste lago, Guardadas na retina ainda trago, Porém o que restou: frágil lembrança.
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As matas me preparam a surpresa... Encontro várias garras afiadas... Minhas costas estão todas lanhadas Pela força que emite a natureza.
O manto que te cobre, de nobreza D’ébano. Mal surgidas madrugada Os rastros tão sutis destas pegadas Me levam à fantástica beleza!
As unhas me penetram e torturam As presas me maltratam e me curam. A vida me parece soberana!
Em múltiplos delírios sigo a noite, O beijo da pantera, meu açoite; Os olhos tão brilhantes de Silvana...
37
As mentiras contadas foram tantas... Amor quando permite essas mentiras, Desfaz-se totalmente em várias tiras Jamais reconstruídas. Velhas mantas
Que do frio verteram flores santas; Cantavam simplesmente falsas liras, Amor em emboscadas tanto atiras... O meu cruel queixume e rindo, cantas...
Quando louco eu pedia teu carinho Nunca pensei quedar-me então, sozinho... Em meus versos cantei sem ter nem eco.
Agora em lenços brancos onde seco As lágrimas que teimam em descer Percebo: sem amor não sei viver...
38
As minhas asas pedem novo vôo Depois de tanto tempo em desamparo Não posso te dizer se não perdôo Nem mesmo se restou amor tão caro
O resto dos escombros denuncia A morte feita em vida não protege Nas horas que vivia apodrecia No fundo não passava dum herege...
Talvez a podridão seja desculpa De quem, em vida, nunca teve alento. O medo de sonhar foi minha culpa
Vagando em cada esgoto, assim divago, De tudo que vivi, só sofrimento. A morte então seria o meu afago...
39
As minhas dores sempre são só minhas... Não posso procurar a solução De todos meus problemas noutro chão. Não devo desviar-me destas linhas
Que são as minhas linhas, não são tuas. O corte que me causa esta navalha, A força que preciso, na batalha, Cada um com seus sóis e suas luas.
Na força de lutar, meu alimento. A dor que sempre causa sofrimento, É minha sina e sempre é meu fado.
Na guerra desta vida, vou sozinho. Na luz do coração eu sempre alinho; Não posso nem vou ter um aliado.
40
As minhas ilusões são pedras falsas, Ondulo entre esperanças, desvarios. Tentando ultrapassar mares e rios, Perdi em desconsolo, as minhas balsas.
Futuro em que distante sonhos valsas Deixaram no meu peito estes vazios. Olhares tão opacos e sombrios, Ausente de meus passos, éter alças.
O sol adormecido já não vem, No mar de tua vida, sou ilhéu. Um embrião de nuvem no teu céu,
Na imensa multidão, eu sou ninguém. Quem dera se viesses. Ah quem dera... Jardim morre sem flor, sem primavera...
41
As minhas ilusões, frágeis falenas, Noturnas passageiras da alegria Atrás de uma esperança que irradia As luzes mais audazes, vivas, plenas...
Quisera ser feliz. À duras penas Realidade expondo esta sangria Morrendo mal ressurge um claro dia, Por um momento sonham outras cenas.
Ondeiam por distantes oceanos O luto que reveste-se em procelas, Não sei como fazer para contê-las,
Coroadas em vários desenganos. O sol que há tanto tempo já perdi E teimo em perceber vívido em ti...
42
As minhas mãos cansadas da batalha, Meus pés cansados, olhos vãos, vazios... Distância me cortando qual navalha, Procuro me agarrar em finos fios.
Mas as mãos estão trêmulas. Falha O coração, sentindo os arrepios Do amor que semimorto já se espalha No resto do que fui. Os dias frios...
As minhas mãos desejam um descanso, Barqueiro procurando por remanso, Olhares esperando uma alvorada
Que venha em novo amor, uma esperança, No passo decidido, um gesto alcança Uma alma feminina, apaixonada...
43
As minhas mãos são lésbicas, gentis, E tentam descobrir nas belas grutas Maneiras mais audazes e sutis Embora tantas vezes mais astutas
Na busca por fazer-te mais feliz. As mãos que com certeza são bem putas Encharcam-se do gozo que me diz Que foram proveitosas liças, lutas.
Na ponta desta mão, moleques dedos Invadem sem juízo, vales, montes Abrindo o cofre, sabem teus segredos
E mesmo quando ocultas, curiosos Os dedos te saciam, caçam fontes Lambuzam-se nos lagos generosos..
44
As minhas mãos unidas com as tuas, Às volúpias do amor nos entregamos. À noite nossas bocas, loucas cruas, Nestes desejos todos mergulhamos.
Nas selvas que buscamos nosso arrimo, Nas pernas que sentimos tão coladas. O teu amor intenso tenso, estimo, As trocas e carícias esperadas.
Meus olhos nos teus olhos não se cansam, No fogo desse amor, uma centelha. As bocas sequiosas já se avançam. Minha alma de tua alma, tão parelha...
Nos céus que te proponho sem receios, A doce sensação, teus belos seios...
45
As minhas noites se passaram frias Nas madrugadas: peito amargo e pranto. As lágrimas escorrem, agonias... Sem teu amor, morrendo em triste espanto.
Simples tristezas, álgicas orgias, Distante vou ouvindo um belo canto Em vozes mansas, cânticos, magias... Refeito em esperança, novo encanto.
As mãos cansadas buscam por remédio; Onde encontrar... Depressa; amor, eu chamo, Será que a sorte mostra um doce assédio?
Será que, enfim, terei o meu descanso? Quando ao te ver assim, amada exclamo E enfim meu barco encontra um bom remanso...
47
As minhas partituras musicais, O caos se estabelece maestria... Nas rodas e bordeis, as bacanais Misturas dos hormônios nessa orgia.
A fauna que freqüenta meus astrais Navega por destinos não se estia. A cama nas sevícias hormonais A noite que me queima sempre fria...
Rodando esses casais negando o medo. Vazias as metades nunca cheias. Vestidos madrugadas nunca é cedo.
As guitarras solando um velho blues... Aranhas e meganhas tecem teias. As luzes que morremos são azuis...
48
As minhas velhas crenças já se foram, Pensara ser feliz. Sobrou o que? As dores sem limites que se afloram Predizem esta ausência de você.
A flor que vicejara no jardim, Morrendo nesta seca, duro estio. Quem dera se pudesse, até o fim, Alçar uma esperança, tênue fio.
Um resto de alegria toma o peito, Depois de perceber velha amizade Dizendo: ser feliz é seu direito.
Mas lute e não se entregue à solidão. Tentando demonstrar tranqüilidade, Percebo ao fim do túnel, o seu clarão...
49
As musas sequiosas dos amores, Procuram pelos faunos indecentes... Nos lagos; desnudadas, belas flores, As ninfas se entrelaçam bocas, dentes...
Penetram tantas línguas sem pudores, Meus olhos delirantes pois descrentes, Misturam alaridos, gozos, cores Percebo meus desejos mais dementes...
Quem dera se eu pudesse, sagitário, Em meio a tantas bocas, seios, sexos... Feneço neste bosque lampadário,
Espreito tais bacantes, plena orgia... No lago refletindo tais reflexos, Especular imagem da alegria...
50
Às Musas tua vida dedicaste, Fazendo da caneta o teu buril. O velho coração que num contraste Mais forte em versos belos refloriu.
Os sonhos de casais sempre plantaste, Tornando conhecido, o meu Brasil, Vinicius, com teus versos espalhaste O amor como jamais alguém o viu.
Eterno enquanto dure, no infinito Desejo de se dar pra quem se deu. Sublime, o Rio inteiro ele verteu
Tornando-se de amantes, quase um mito, O diamante raro que poliste No peito de quem ama, eterno, existe...
51
As negras gralhas, resolutas pragas... Agourentas tempestas e mordazes... As noites vagueando, tornam vagas... Os mantos que devoram, finas gazes,
Não posso percorrer luares, plagas, As vastas cordilheiras incapazes As gralhas verdadeiras nunca afagas, São corvos que crocitam mais audazes...
Mortalhas que me vestes, negra gralha, Deferem meus rancores e meus versos... A cama que me deste, vil canalha,
Cosida com meus nervos e tendões... Busquei a liberdade, tons diversos, Cuspiste ferozmente corações...
52
As noites que passamos de prazer Em sonhos delicados, buliçosos, Vivendo esta alegria de querer, Em toques mais sutis e tão gostosos, Percebo que a vontade de viver Nos torna mais felizes e viçosos.
Somamos nossos beijos e carícias Formamos um portal de brasa e lume. Embalados por toques e malícias Sabemos mais de flores e perfume. Agora ao desfrutarmos tais delícias, A vida nos eleva até o cume
De tantas maravilhas, cordilheiras De peles que se dão e vão inteiras...
53
As noites que passei tristes degredos, Perpétuas fantasias, sigo insone. Se o beijo desvendasse teus segredos, Não seria um suplício, o telefone
Que teima em não tocar, prossegue mudo. Aguardo uma chamada que não vem... Por vezes noutros sonhos eu me iludo, Olhando para a porta. Sem ninguém...
Eu mal consigo olhar o teu retrato Guardado na parede dos meus sonhos. O vento que te trouxe tão ingrato Agora mostra em risos mais medonhos
O quanto amar demais sempre tortura, Enquanto a noite invade-se em ternura...
54
As noites que se foram tão imensas, Mudando o sentimento, em serenatas Busquei em teu amor as recompensas, Vivendo mansamente sem bravatas.
Dos sonhos que tivemos, mil cascatas Descendo pelos lábios, versos, crenças, Distante das discórdias, sem ofensas, Tivemos calmaria em flores natas.
Amores que se formam, catedrais, Desejos em sonatas, madrigais, As noites se passando, belos sonhos...
Os corpos misturados, canibais, Querendo cada vez e sempre mais, Em atos delicados e risonhos...
55
As noites que te viram? Ah! Negadas... Vazios noutros campos e paragens. Em meio a tempestades e visagens, Somente restam dores nas estradas.
Vagando pelas noites desgraçadas, Não consigo entender estas miragens, Meus rios sem vertentes vazam margens E as fozes deste amor secas, paradas.
Os sonhos se foram – só besteiras. Das matas e das luas tão brejeiras Apenas o que resta, um simples não.
A noite com certeza voltará, Depois da tempestade nascerá O sol extasiando a multidão...
56
As noites tão vazias e caladas Depois de beijos tantos, bons, ardentes... Dois corpos se buscando quais dementes Nas horas mais audazes, dedicadas.
Em meio a cobertores, almofadas Dois astros se perdendo, enlanguescentes. Sabendo do que queres, sonhas, sentes Luares deitam pratas nas estradas...
Na placidez; qual fossemos dois lagos, Dos braços em carinhos, nos afagos A noite em fantasias se depura....
A chama tantas vezes misteriosa Depois que tu partiste; melindrosa Dos beijos morrem méis, resta amargura...
57
As nossas peles clamam por prazeres Que somente podemos desfrutar Ao lado de quem tanto sabe usar Nos banquetes da carne, estes talheres...
Farei, te juro, tudo o que quiseres, Trazendo para a cama céu e mar, Bebendo cada gota do luar, Verás quanto eu te quero, se vieres...
Entrego-me deveras a teus pés, Já não verei a vida de viés Tampouco o sofrimento irá fazer
De mim, o seu perpétuo camarada. Erguendo com vigor tal paliçada Numa estrutura feita de prazer...
58
As nossas roupas jogadas pelos cantos Testemunhando a festa que fazemos. Estrelas se derramam, percebemos Os raios que se fartam, belos, tantos...
Descubro cada parte do teu ser, Mergulho em tuas grutas com vontade, Chegando à mais completa saciedade, A luz da divindade eu posso ver.
E tenho-te safada e tão profana, A diva feita serva e senhoria, A noite caprichosa e assim sacana,
Esgota-se em furores incontáveis As mãos da mais perfeita poesia Abraçam nossos corpos; formidáveis...
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As nuvens deslizando seus poemas Pintados neste céu, anis-lilás; Mudando de paisagens e de temas Promessas e delírios, o céu traz.
Desenho nosso nome em pensamentos Olhando para as nuvens que esvoaçam Mudando com a direção dos ventos Volúveis se mostraram e se espaçam.
Nas baforadas soltas, as figuras, Parecem com amor que tu me tens. Ao mesmo tempo amor, já me asseguras, Depois com tantas dúvidas tu vens.
Eu torço pra que o tempo esteje firme Quem sabe teu amor por mim se afirme!
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As nuvens que te viram vão nevadas Em busca d'outros campos e paragens, Em meio a tempestades e visagens Carregam tantas dores nas estradas...
Vago como essas nuvens desgraçadas Não consigo entender suas viagens Por ruas e vertentes, tantas margens E nada me trará mais madrugadas
Que já se foram, nossas companheiras. As matas e as luas mais brejeiras Não sabem por que foste embora, amor...
Assim como essas nuvens voltarás Depois das tempestades estarás Marcada pelas chuvas, sem calor...
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As nuvens vão passando pelos céus Formando imagens belas, sem igual, Deitando a maravilha sob os véus Entrego-me à magia sensual
Dos ventos e portais que imaginando Trafegam pelo espaço a cada dia As formas variadas transformando O entardecer em rara poesia
Terraços e sublimes catedrais Longínquas e tão próximas de mim, Num altiplano sonho, nos jograis As flores multiplicam tal jardim
E vejo, sobre tudo, o teu olhar Estrela vespertina a me inundar...
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As ondas num balanço vai-e-vem, Deixando este marujo com enjôo Eu sei que neste cais sereia tem, E até o meu estômago, eu perdôo.
Jamais eu suportei sequer a rede, Prefiro, com certeza, a velha esteira. Embora muito grande, a minha sede E a moça bem gostosa – flor que cheira-
Não posso mais ficar neste balanço, Senão vou estragar nossa festinha. Por mais que estava a fim, já nem avanço. Amor, eu te desejo e estás nuinha...
Do jeito que o diabo não despreza, Mas tenho que evitar qualquer surpresa...
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As ondas que levaram para além Afiguram-se nos sonhos como fases. Decifro tal enigma e nada vem Arrancam fantasias, hastes, bases...
O quanto de ilusão nada contém, Sonhar com o carinho que não trazes. Saudade vai dizendo deste alguém Que um dia mostrou luzes mais audazes
Amor, palavra tola em que descrevo A sordidez terrível que ora cria O gosto tão amargo da poesia
Que tolamente e em vão ainda escrevo. Caminho que percorro diz da volta Deixando o pensamento sempre à solta...
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As ondas que nos tocam; mar e lua, Os ventos nos convidam a sonhar. Enquanto a fantasia continua Eu bebo cada raio de luar,
Deitando nesta areia toda nua, Sereia me ensinando a navegar. Minha alma embevecida já flutua E chega por instantes, decolar.
Assim neste momento indescritível O amor se torna frágil, mas incrível, E tudo é mais possível, passo a crer
Que existe um Paraíso em plena praia. A lua no horizonte então desmaia, Aurora anunciando o amanhecer...
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As ondas vêm trazendo sal e glória Mudando a direção de velhos ventos. O amor bebendo a lua merencória Traduz em temporais os sentimentos.
Ao mesmo tempo embarco na memória De dias tão felizes, e em tormentos Prenunciando a dor de uma vitória Atravessando sonhos, pensamentos.
Tristeza de saber que em plena areia O movediço passo não garante Um sol que nos proteja e ao mesmo instante
Adentre uma esperança em nossa veia. Olhando de viés para este mar Concebo o dolorido bem de amar...
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As pedras se derretem sob o fogo Rolando incandescentes pela praça. Nos olhos ardentias, sinto o jogo Que passa simplesmente, qual fumaça. De toda essa amizade sobre o rogo Que finge que não vai e se esfumaça.
Paragens tão distantes, mar e lua, Se encontram e depois o sol renasce. Desfilo meu cadáver pela rua Permito que outro olhar, de esgueiro, cace Antes que a noite surja falsa e nua Antes que tudo morra e que se embace.
Senhora dos segredos, minha amiga, Vá logo por que a sorte aqui, periga...
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As pedras vão rolar numa vitrola, Dançando a noite inteira eu e você O tempo ressurgindo nos assola O sonho não morreu? Busco. Cadê?
Os olhos da morena agateados, Os dentes do passado em minha pele, Serenos pela noite, abençoados, Veneno ao qual o encanto me compele.
Garagens e guitarras? Nunca mais. O velho coração não se acostuma Aos sons pré-fabricados e banais, O sol se perde em meio à névoa e bruma.
Os sons de um zepelim, roques e blues, Os céus jamais serão de novo azuis...
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As peles se vasculham, frágeis, nuas Rolando pelas noites bebem tudo, Nos bares e motéis, sarjetas, ruas O quanto que te quero e não me iludo.
Mudando a direção de antigos ventos Quem sabe poderei chegar a ti? Em tantos descaminhos, por momentos Do pouco que eu sabia me esqueci
Um canto libertário se perdendo Em tantas discrepâncias, vagas rotas. A lua melancólica envolvendo As nossas peles, gastas, velhas, rotas.
Rogando por talvez um alegria O bem que tantas vezes mal queria...
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Às penas em que amor me submeteu Fugazes esperanças sempre alentam. Num átimo nem sinto mais ser eu Aquele a quem os Fados alimentam.
O mar da fantasia feneceu Nem mesmo as calmarias me apascentam. O vago que restou já se perdeu As tempestades, flores não enfrentam.
Preparo em armadilha uma vingança Em aspereza enceto um pensamento. Que porte com mortalha, a penitência
Deixando quase ao léu nossa aliança Tragada pelo Amor em um momento, Deixando em seu lugar, dura inclemência...
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As penas que pagamos por durezas Expostas nos momentos mais sinceros; São penas que se pagam em aspereza Por sentimentos duros, firmes, feros...
Assim foi com certeza o que ocorreu Nas vezes em que tu não notaste Amor que tanto tempo transcorreu Da forma que não foi a que pensaste.
Achavas que não tinhas mais perfumes... Que pena que não saibas dos encantos Que trazes apesar destes ciúmes Que embalam e deformam os teus cantos...
Amiga não permita que estas dores Destruam os teus sonhos, teus amores...
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As pernas se misturam em novelos E fazem dessa noite um vendaval, A prova neste amor que é mais cabal Nos gozos que me dás ao recebê-los
Fantasmas do passado, quando tê-los Não deixe de fazer o ritual Do jogo mais gostoso e sensual Beijando com carinho os teus cabelos.
Da lua tão redonda como um queijo Eu sinto cada brilho no meu rosto, Da boca da morena quero o beijo
O coração matreiro de um mineiro Ao ver o nosso amor assim exposto Da sorte e da alegria sente o cheiro...
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As pernas transeuntes vêm e vão, Formigas entre carros e sinais. Alguns nem mesmo sabem, mas jamais Qualquer sentido, enfim, encontrarão.
Lutar pelo sossego feito em pão Estampam nas calçadas os jograis Aonde quem procura perde o cais, Sem Céus a queda trama o ledo chão...
Amar, ter muitos filhos, ser feliz? Depois nos olhos falsos desta atriz Que dorme em minha cama, ouro de tolo.
Semente que brotou e se renova No escombro ressurgido, a massa sova, O trigo de nós mesmos sola o bolo...
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As pessoas desfilando na calçada As roupas e os varais mais variados. Olhando para frente e vendo o nada, Os seus passos ritmados e apressados
A vida tantas vezes maltratada, Mergulhos nos vazios disfarçados Em risos, festas, prêmios e balada, No intenso vai e vem, robotizados.
As dívidas, as dúvidas problemas, Os pés, as mãos atados por algemas. Teatros e cinemas, botequins,
Sem rosto, assim prossegue a multidão, Encontram tão somente o mesmo não Sem rumo, do princípio matam fins...
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As pétalas das flores que senti Nos mágicos perfumes no jardim. Aos poucos revirando o que vivi, Não sinto quase nada. Estou no fim...
Cansado de dizer em vão teu nome, Nas ruas, nos desertos e nas praças... Aos poucos cada vez que a noite some, Tu sabes do que falo, mas disfarças.
Eu sinto que não posso mais te ter Eu sinto que meus versos se perderam. Quem fora tanta coisa não quer ser, Meus olhos, os teus olhos, se esqueceram...
Mas resta tão somente uma ilusão. Quem sabe a noite traga o teu perdão?
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As plantas que me deste não refazem As noites que perdi te procurando... As cores que elas vibram já não trazem Amores que deixei não vou a mando...
Azares são medidas que me trazem As horas que perdemos nos amando... Angústias estrangeiras não comprazem, Amiga quem me dera fosse brando...
Beijando-te com calos nos meus lábios, Crivando-te de herpéticos sorrisos, Derivo minha nau sem astrolábios,
Espero que não sejam mais precisos Favores que iludindo, forjam sábios, Gritando por mistérios mais concisos...
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As podres excrescências emanadas, Fosforescestes fogos de artifício, Latejam minhas pernas amputadas No sentimento inócuo; um precipício...
As almas, com certeza, estão compradas Pelos defeitos, ócios, aços, vícios... Minhas veias estão inoculadas Pelas serpes de amores mais fictícios...
Sou vértice, sou vórtice, sou frágil. As espúrias paixões que se entornaram Não deram-me o poder de ser mais ágil...
Se queres imbecil amante, reles, Se as esperanças, todas, te largaram, Convido-te ao banquete: nossas peles!
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As pontas de uma estrela solitária Estampam multicores fantasias. Exércitos de lumes que ora crias Matizes que se mostram em cor vária.
Na luta por igual reforma agrária, Durante tantos anos de sangrias As balas transbordando em mil orgias, A morte se mostrando necessária.
As flâmulas em foices avermelham O solo onde esperanças semeadas, As almas tantas vezes desarmadas
Defronte aos tiroteios se ajoelham, E este povo oprimido não esmola, A luta se aprendendo desde a escola...
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As portas entreabertas do meu peito Sem medo ou cadeado que as proteja Faminto sentimento sem direito Do vento benfazejo que preveja
A luta que vencida dará jeito. Se tudo o que vier assim deseja Amor que nunca mais foi satisfeito A boca desdenhosa que me beija
Servida na bandeja dos meus sonhos Trará talvez a paz que necessito. Ao longe, bem distante, no infinito;
Guardado por carinhos mais risonhos, Vencendo cada pedra do caminho, Tragando este meu corpo em teu carinho...
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As rodas da fortuna me excluíram. Não restou quase nada do que fui, Enquanto a poesia ainda flui Castelos que criei; frágeis, ruíram.
Os medos coletados no caminho, As trevas e fantasmas são constantes, Das esperanças tolas, as estantes, Derrubam-se e devoram de mansinho.
Estrídulos diversos, sons etéreos, Milhões de meteoros sobre o solo. E quando finalmente, em paz, decolo,
As hordas se aproximam; seus impérios, Raiando em tempestades no horizonte, Arrebentam estradas, negam ponte...
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As rodas da fortuna se perderam, Quebradas pelos ódios e rancores. Amores e tristezas conviveram Assim como os abrolhos beijam flores.
Os dias que passamos, convenceram, Invernos que virão com seus rigores Os frutos do desejo pereceram Mudando dos que amam; seus humores.
Abrindo esta porteira, quero o gado, Engodos e falácias fazem eco. Se tanto que te quis ainda peco
O verso não passou de um mero brado. Joguete dos enganos da ilusão No teu incêndio sempre fui carvão...
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As rosas cultivadas já vicejam Neste jardim divino que plantamos, Durante tanto tempo nos amamos, Os corpos dos amantes se desejam.
Os dias mais felizes antevejam Brotando no arvoredo novos ramos, Dos dias maviosos que sonhamos, Os brilhos da esperança relampejam...
Nas rosas cultivadas, bom perfume, Deixando suas marcas pelos ares, Refazem cada fruto dos pomares,
Nascendo novamente,sem queixume, As rosas que colhemos noite afora, Vieram sem espinhos, sem demora...
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Às rosas eu dedico Um verso que é bonito. Tão encanto eu fico Seguindo um velho rito,
No amor eu me edifico, E não persisto aflito. Jardim se torna rico, Isto não é um mito...
Porém a verdadeira Razão assim formosa, Se mostra mais inteira,
Além da bela rosa, A mais maravilhosa, De todas: trepadeira...
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As rosas que me deste já murcharam... Crisântemos perdidos no jardim... As horas que se foram não deixaram Hortênsias, lírios, palmas nem jasmim...
Perfumes se perderam, não voltaram. Adornos que plantaste, foram fim... Nos campos nem certezas enluaram, Tantos nãos ouvi, nunca mais um sim...
Mergulhei insensato, sem temor... Velhas rosas murchadas sem alento... Ressequidas torradas por calor
Excessivo, queimadas pelo vento... As rosas vão mostrar o esquecimento. Qual rosas que morreram, nosso amor!
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As rosas que, nascidas junto às urzes, Têm o mesmo perfume d’outras flores; São iguais aos desejos que, das dores, Transformam essas trevas, novas luzes...
Carregando, pesadas, velhas cruzes, A minh’alma procura por frescores Primaveris, a noite gera cores, Assim como; na guerra, paz, obuses...
Liberdade sangrando nas prisões, Esperanças matando corações, Afago, tantas vezes, traição!
Carinhos, muitas vezes, bofetão... Das abelhas, picadas, trazem mel; Sorrisos, quantas vezes guardam fel...
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As rugas me fazendo companhia, Lembranças de uma vida que revela Em prantos e tristezas a agonia E a morte em cada verso, enfim se sela.
As lágrimas rolando em louca orgia, Enegrecendo o céu, a fosca tela Impede que eu vislumbre uma alegria. E a noite de meus sonhos se congela
Mostrada em tão tenaz desilusão, A sorte não permite qualquer sonho Já repetindo sempre o mesmo não.
Refém deste passado tão cruel Meu verso vai nascendo mais tristonho E a morte vem cumprir o seu papel...
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As ruínas da vida que perfazem Os passos esquecidos no passado... As dores em meu peito tanto jazem Mudando o caminhar mais esquinado...
Neste árido deserto em minha vida Não tenho sequer água nem destino. A mão da solidão, escarnecida, Tomando meu caminho em triste tino.
Abismos desses ais que tenho em mim, Vencido pelas dores e suspiros. A morte vai rondando sem ter fim, Roubando e retirando os meus respiros.
Minha vida, deserto e aridez Abismo de suspiros já se fez...
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As sagas de quem sonha são diversas, Os dias não repetem velhos motes. As dores preparando os mesmos botes Sorrateiras, nos gozos vão imersas.
Dizer desta alegria em que ora versas É quase preparar quebras e potes, E mesmo que de encantos tu me lotes As mãos nos meus teares não são persas.
Oxigenar os sonhos? Também tento; Fazendo da esperança o meu sustento Usando uma palavra mais gentil.
Porém a realidade, alma desnuda, Um pássaro que sofre em plena muda Meu coração dos sonhos despediu.
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As saudades ganhando espaço e precisão Fazendo no meu peito invasão sem dar tréguas Distante de quem amo a dor e a solidão, Voando em pensamento eu ganho tantas léguas
E chego de mansinho ouvindo a tua voz A boca te procura e mata essas saudades. O tempo que passei; terrível tempo atroz Deitou sobre meu peito as insaciedades.
Agora que cheguei, eu quero o teu carinho, Tocar todo o teu corpo, o gozo ser o ninho De quem tanto te quer, delícia benfazeja
Não pude te esquecer tampouco, amor, o quis Somente do teu lado eu posso ser feliz Felicidade plena, o que mais se deseja!
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As sombras das saudades que carrego São mansas tempestades que recebo. Se tantas essas dores que não nego Porém que muitas vezes nem percebo.
Minha alma transtornada já flutua Por sobre multidões de sentimentos... Embalde tantas vezes continua Guardada neste cofre dos tormentos.
Mas amo em esplendor a tua imagem Guardada nestes cofres da lembrança Seguindo tão sem rumo, essa viagem, Espero teu amor sem mais tardança...
As sombras se iluminam quando vejo Os olhos tão sedentos do desejo...
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As sombras do que fomos eu recolho, Escombros e carcaças, resto e pó. O tempo destroçando em cada mó Trancando cada sonho com ferrolho.
Levanto outra ilusão, cevando abrolho Persisto e novamente estou tão só. Sonhara com delícia em pão de ló, Colhendo ervas daninhas, triste molho.
Apenas reproduzo o que recebo, Aborto de esperança sei que sou. Inerte o coração, do fel que bebo
Minha alma não sossega sem descanso. Do todo que buscara, o fim chegou Na morte um derradeiro e bom remanso...
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As sombras do que fomos me atormentam, E cismam em vagar pelo meu quarto, Dos olhos da esperança não me aparto, Enquanto em descompasso violentam.
Os meus sentidos tolos te pressentem Andando pela casa semi-nua, Somente a fantasia continua, Porém noites sombrias já desmentem.
O risco de viver em sonhos frágeis As ondas da ilusão se fazem ágeis E tomam o cenário nesta noite.
Encantos que hoje sei, são fugidios, Os olhos que se fixam nos vazios Aumentam cada corte deste açoite.
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As sombras invadindo o claro dia, Tristeza dominando este cenário. U’a saída improvável; sonho cria De mim por conivência, um adversário.
Minutos traduzidos em sangria Esperança descansa noutro armário. Sorriso, quando o tenho; uma ironia O tempo é um carrasco, temerário.
Na morte em trevas feitas, me consumo. Perdendo totalmente qualquer prumo Chagásica expressão de solitude.
Quem sabe noutra vida inda consiga Vislumbrar a figura amante e amiga E o rumo desta história, enfim se mude...
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As sombras invisíveis do passado Rondando em pesadelo, a noite intensa, Quem dera se pudesse em recompensa Contar com esta presença do meu lado.
Embarco na esperança e de bom grado, O coração em luzes inda pensa E tendo tanto amor que me convença Viajo ao paraíso, enamorado....
Vencendo as intempéries do caminho, Eu sei que não serei, amor, sozinho, Contando com teu braço, colo e luz.
Grassando a lua em plenos temporais, Eu vejo nos teus brilhos magistrais A trilha que este sonho reproduz....
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As suas lanças, setas, me tocaram, E assim me enlouqueceram, estou certo, Os castelos mais firmes desabaram, Meu coração se mostra então aberto,
O quanto de carinhos eu te oferto Os sonhos não mentiram nem calaram E velhos sentimentos se mostraram, Apenas movediços. Mal desperto
E vejo nos teus olhos tal magia, Amiga, transtornando o dia a dia. Num rumo tão cruel e encantador.
Assim vou prosseguindo sem descanso. Tranqüilidade e paz agora alcanço Vencido pelo fogo deste amor
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As tardes espalhando poesias Por entre este arrebol, tão belas cenas. Misturas de jasmins, roxas verbenas As luzes entre cores e magias...
Compósitos de sonhos e alquimias, Moldando estas imagens tão amenas, Quem dera se eu pudesse... Minhas penas Mantendo minhas mãos sujas vazias...
Minha alma pesa tanto... quanto dói Saber do amor que morre e me corrói Deixando este cadáver que hoje sou
A tarde que se espalha nos meus olhos, Embora em tantas flores, diz abrolhos, Crepuscular visão emoldurou...
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As tênues borboletas, liberdade... Nas asas delicadas, belas cores... Voando, carregando veleidade Trafegam, constelares, meus amores...
Lactescências lunares, qualidade Ímpar, as borboletas buscam flores... Nesse encontro sutil fragilidade... Vital, mágico encontro, sem pudores...
Diluídas fantasias vaporosas, Lepidópteros mostram o caminho.. Mesmo com os espinhos, belas rosas...
As asas mansas asas siderais, Todo sereno encanto... Fazem ninho... Ah! Vento te levou p’ra nunca mais...
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As traças devoraram quase tudo, Porém o teu vestido num armário Por mais que ainda pense, nunca mudo. Qual fosse este fantasma necessário.
Talvez, ser infeliz, inda me iludo O amor sobrevivendo, relicário, Um velho sonhador. Porém, contudo, Eu sinto-me, em verdade quase otário.
As marcas do que fomos nos lençóis, Os restos de esperança, estas migalhas, Cortando feito fios de navalhas,
Queimando em minhas costas, vários sóis E quando ao perceber o chão tão duro, As vestes da saudade, eu dependuro...
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As tramas dessa teia eu quero e trilho Recolho cada farpa, cada espinho E quando da alegria eu me avizinho Repito novamente este estribilho.
Não tendo mais sequer um empecilho Dos passos pressentindo o burburinho Adentro imensidades em carinho E preso aos teus desejos eu me anilho.
Erguendo o meu olhar, assim deslumbro Um mundo sem igual que ora vislumbro Em claridade imensa e protetora.
Apraza-me viver exato sonho, Meus barcos em teus mares- amor- ponho; Minha alma em tantos lumes se decora...
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As trevas continuam sobre nós, Propinas são as armas da canalha Enquanto o povo pobre só trabalha A corja vai se unindo em firmes nós.
A merda que virá depois, após Não servirá de adubo, pois de gralha Matando uma esperança que se espalha Num crocitar temível, duro, atroz
Fazendo deste povo, refeição, Proliferando em série a multidão Um dia ao se cansar dos trapaceiros,
Unindo em amizade os seus quereres Devorará os tais “podres poderes” E os sonhos poderão ser verdadeiros...
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As tristezas cultivo, minhas flores... Não quero nem sonhei outro jardim; Minhas rosas, meus lírios, meu jasmim, Ficam todos perplexos sem amores...
As esperas sem nexo, minhas dores, Cultivo mansamente tudo assim, Sem nada esperar. Resta então, em mim, As madrugadas frias, seus temores...
Em todas horas duras, enxertia... As lágrimas que rolam, um esterco. Enxada, foice, simples poesia...
Minhas dores não são vaga tortura; Traduzo meu sofrer: semeadura... Nesse jardim sublime, então me perco...
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